O ano era 2020. O cenário que se desenhava naquele mês de março era bizarro, uma realidade que a gente nem tinha como se preparar. A tal da covid-19 parecia um troço de filme. Mas ela foi real, foi trágica e, como em toda crise, teve quem ficasse frente a frente com muitos motivos pra chorar e teve o Zoom, que vendeu lenço. A plataforma de videochamada em grupo tinha batido 200 milhões de usuários ativos no mundo naquele momento. Quatro meses antes, eram 10 milhões.
Era o começo de um novo modelo, ainda muito tímido, que a gente passou a incorporar de vez no nosso vocabulário e nas nossas oportunidades de emprego: o home office. Com os habitantes do planeta fechados em casa, trabalhar com o computador em cima da mesa da cozinha parecia ser a única opção.
Mas o que apareceu como um quebra-galho pra um momento extremamente tenso, se mostrou uma alternativa que parecia bem viável, principalmente pra quem vivia nas grandes cidades e se acostumou a perder uma, duas horas por dia no trânsito… às vezes, até mais.
Trabalhar de casa se apresentou pra muitos como algo mais gostosinho, mais aconchegante. Pras empresas, teve muito benefício também. Várias entregaram andares inteiros de prédios, economizaram e muito em aluguéis, mobiliário, energia e afins. Parecia um modelo que tinha vindo pra ficar. Uma crise que deu um chacoalhão nas relações de trabalho como a gente as conhecia.
Mas a pandemia acabou faz tempo. E o que se viu na prática, foram CEOs e líderes corporativos reclamando cada vez mais das dificuldades de comandar equipes à distância, de não ter o toque humano do olho no olho nos pedidos corriqueiros. A verdade é que nem todo mundo gostou de trabalhar de casa. Eu, por exemplo, tenho algumas dificuldades de focar nas demandas profissionais a partir de um ambiente que eu planejei pra, acima de tudo, me oferecer conforto e descanso. Mas quem gostou de transformar o próprio lar em escritório não quer abrir mão desse privilégio de jeito nenhum.
A discussão vem ganhando força há tempos e, aos poucos, as grandes empresas foram puxando o bonde da volta pro escritório. A mais recente e que fez muito barulho com o anúncio foi a Amazon. O CEO, Andy Jassy, rodou um comunicado dando o prazo de até o fim de 2024 pra que todos os funcionários adequem as próprias rotinas e voltem pro escritório em tempo integral.
Ele diz que, no presencial, é mais fácil inovar, ter funcionários mais conectados e ligados à cultura da empresa. E isso faz algum sentido na medida em que cultura é, falando de um jeito bem simples, o “jeito de trabalhar” da empresa, qual postura ela tem diante dos desafios internos e externos. Fica mais difícil treinar isso diariamente com funcionários que só se veem por meio de telas.
Pra entender o quanto isso tá interferindo no nosso jeito brasileiro de tocar as empresas, eu pedi ajuda pra Sofia Esteves, que é fundadora do grupo Cia de Talentos e uma das maiores especialistas em recursos humanos que a gente tem no país.
Ela me disse que “depois de quatro anos experienciando os modelos presencial e home office, algumas certezas já temos. A atuação 100% remota, tem trazido uma complexidade maior para engajar ou integrar novos colaboradores. Com o volume de reuniões, não sobra tempo para aquelas conversas gostosas na hora do almoço ou cafezinho, onde se tem grandes aprendizados, trocas de experiências e reforço de cultura. Outro ponto importante a ser levado em consideração é a questão de comunicação, pois nem sempre uma mensagem por escrito passa a mesma clareza e percepção do que realmente gostaríamos de enfatizar.
Do outro lado, depois dos profissionais vivenciarem os benefícios do modelo home office, a maioria deles é muito resistente a voltar a atuar 100% ao presencial, tanto que tem aumentado muito o número de pedidos de demissões por esse motivo. Na minha opinião, o que sempre deverá prevalecer é a cultura de cada organização e os motivos que as fazem ser mais ou menos flexíveis sobre esse assunto”.
Muito provavelmente não! Tem uma pesquisa da The Conference Board, que é uma associação empresarial internacional, mostrando que só 4% dos CEOs do mundo querem trazer os trabalhadores de volta pro modelo 100% presencial. Galera que tá no comando de Disney, Google e Apple, por exemplo, já se posicionou a favor de mais dias presenciais nas empresas com argumentos parecidos, mas essas empresas não falam necessariamente de zero home office.
Diante disso tudo, um modelo híbrido tem cada vez mais se mostrado o mais bem aceito por todo mundo. Um proposta que não vai desagradar totalmente quem se habituou com o home office e que vai deixar felizes os CEOs que tão se sentindo sozinhos nas salas dos grandes prédios espelhados.
Esse tá sofrendo mais que todo mundo. Depois do hype, a concorrência aumentou e hoje as reuniões à distância são feitas também com Microsoft Teams, Google Meet, Cisco Webex, Slack e mais um monte de outras opções. As ações da companhia despencaram mais de 90%, e o app tá tendo que tentar se reinventar a todo custo. Essa, infelizmente, é a eterna gangorra do mercado corporativo cada vez mais competitivo. Sempre tem quem chore e quem venda lenço, mas, ao longo da nossa carreira, a gente corre um risco enorme de ocupar os dois papéis em momentos distintos.
Trabalho remoto mais que dobrou em 10 anos, mas caiu após pandemia
[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/