O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), interrompeu nesta quarta-feira (16) o julgamento que discute se o Google deve fornecer a lista de usuários que pesquisaram palavras relacionadas à vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) na semana que antecedeu seu assassinato, em março de 2018.
Mendonça fez um pedido de vista (mais tempo para análise). Ele pode ficar até 90 dias com o caso. Não há data definida para a discussão ser retomada.
O placar até o momento tem dois votos (com diferenças entre si) contra o recurso do Google e a favor do envio de dados pela empresa. Se manifestaram nesse sentido Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
Rosa Weber (hoje aposentada), relatora do caso, havia votado a favor do recurso do Google e contra o envio de dados. Seu voto permanece válido.
O caso definirá os limites para a quebra do sigilo de histórico de buscas de usuários indeterminados de plataformas de internet em investigações criminais. Ou seja, de qualquer pessoa que fez a busca de acordo com parâmetros relacionados com a investigação.
Como há repercussão geral reconhecida, a definição que vier a ser tomada servirá de baliza para todos os casos semelhantes na Justiça.
A questão é discutida na STF em um recurso do Google contra determinações da Justiça.
Três instâncias do Judiciário entenderam que a empresa deveria enviar as informações sobre pesquisas relacionadas à vereadora aos investigadores.
A empresa então recorreu ao Supremo alegando violação ao direito à privacidade.
O julgamento começou em 2023 no plenário virtual do STF. Na ocasião, só votou a ministra Rosa Weber (hoje aposentada).
Weber foi a favor do pedido do Google. Ou seja, contra a quebra de sigilo de um grupo indeterminado de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas a Marielle.
Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise) e interrompeu a discussão. Conforme Moraes, a empresa não chegou a cumprir a decisão e enviar os dados.
Na retomada do julgamento, nesta quarta (16), Moraes votou contra o recurso da empresa, validando a decisão para envio dos dados.
Em seu voto, Moraes defendeu a possibilidade de obtenção dos dados de acesso à internet de um grupo indeterminado de pessoas nas investigações criminais. Conforme o ministro, esse método de obtenção de provas é importante para casos de pornografia infantil ou pedofilia, por exemplo.
Segundo o magistrado, a decisão da Justiça poderá atingir “pessoas indeterminadas” previamente, mas que são “determináveis” a partir de outros elementos ou provas que tenham surgido antes na investigação.
O ministro afirmou que só os envolvidos com a apuração — como advogados dos alvos, Ministério Público e o juiz — terão acesso às informações e que o material é descartado se não tiver relação com o caso.
“Não há essa publicização de dados”, afirmou. Para Moraes, não houve arbitrariedade no pedido da polícia no caso da investigação da morte de Marielle e Anderson.
“Não são parâmetros genéricos sem conexão com o caso concreto. São parâmetros relacionados com a vítima porque a vítima havia anunciado que estaria”, declarou.
Moraes entendeu que a determinação para acesso aos dados é razoável, e que está amparada pelo próprio Marco Civil da Internet, a lei que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
“Ninguém aqui afasta a previsão de direito à vida privada, sigilo de dados. Mas como o próprio direito à vida, à liberdade, todos os direitos são relativos. Não há um direito fundamental que é absoluto”, afirmou.
Moraes propôs a seguinte tese:
“1) É constitucional a requisição judicial de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que observados os requisitos previstos no artigo 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), quais sejam: (a) fundados indícios de ocorrência do ilícito; (b) justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; (c) período ao qual se referem os registros.
2) A ordem judicial poderá atingir pessoas indeterminadas, desde que determináveis a partir de outros elementos de provas obtidos previamente na investigação e que justifiquem a medida.”
Gilmar Mendes • Valter Campanato/Agência Brasil
Cármen Lúcia • Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Dias Toffoli • Marcelo Camargo/Agência Brasil
Luiz Fux • Fellipe Sampaio/SCO/STF
Luís Roberto Barroso • Nelson Jr./SCO/STF
Edson Fachin • Carlos Moura/SCO/STF
Alexandre de Moraes • Carlos Moura/SCO/STF
Kassio Nunes Marques • Fellipe Sampaio/SCO/STF
André Mendonça • STF
Cristiano Zanin • Mateus Bonomi/Agif – Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
Flávio Dino • Fellipe Sampaio /SCO/STF
Zanin disse que buscou uma “convergência” com a posição de Moraes. Ele propôs que haja uma delimitação entre usuários suspeitos e os demais.
“Compreendi que é possível que sejam coletados dados de pessoas que não têm nenhuma relação com o fato que está em investigação. Se a pessoa não é suspeita e não há vínculo [com o caso], deveria preservar a intimidade”, disse Zanin.
Ao votar, em setembro de 2023, Rosa Weber foi a favor do pedido do Google. Ou seja, contra a quebra de sigilo de um grupo indeterminado de pessoas que fizeram pesquisas relacionadas a Marielle.
A ministra disse, no voto, que não existe dispositivo legal que legitime o emprego de uma medida tão ampla como a que determinou o fornecimento de significativos dados pessoais de incontáveis usuários que realizaram pesquisas de termos específicos em provedores de internet.
Rosa Weber propôs a seguinte tese de repercussão geral:
“À luz dos direitos fundamentais à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao devido processo legal, o art. 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) não ampara ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento dos registros de conexão e de acesso dos usuários que, em lapso temporal demarcado, tenham pesquisado vocábulos ou expressões específicas em provedores de aplicação.”
A decisão da 4ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, confirmada em segunda instância e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou o envio aos investigadores dos dados de quem, entre os dias 10 e 14 de março de 2018, usou parâmetros de pesquisa como:
As palavras tinham relação com locais em que Marielle estaria no dia em que foi assassinada.
A ordem foi dada com base em dispositivo do Marco Civil da Internet.
O Google afirma que a medida, solicitada inicialmente pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), abre margem para que pesquisas online se transformem em meios de vigiar cidadãos indevidamente.
Ao STF, o Google cita que atendeu a diversas outras ordens judiciais proferidas no âmbito do caso Marielle, mas que, neste caso, são “pedidos genéricos e não individualizados, contrariando a proteção constitucional à privacidade e aos dados pessoais”.
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[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/