Português de Portugal está mais brasileiro e irrita conservadores

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Em cinco minutos caminhando pelas ruas de Lisboa, difícil não escutar a voz de um brasileiro. Difícil também encontrar um que não tenha sofrido ou ao menos conheça alguma vítima de xenofobia.

Os ataques podem ser diretos, com agressões físicas ou frases em paredes e muros desejando a eles a morte. Ou ainda velados, com um discurso protecionista contra o uso do idioma do Brasil em escolas e universidades.

Para a carioca Marcela Porto, de 28 anos, que mora em Lisboa há 1 ano e 6 meses, o comportamento vem de “uma mistura de raiva com inveja”.

“Eles consomem muito conteúdo brasileiro. Os mais novos consomem muito e os portugueses mais velhos, mais conservadores, se sentem feridos, como se estivessem perdendo espaço porque seus filhos ou netos estão falando expressões em português do Brasil.”

Uma postagem feita no Twitter (antigo X) pela página “Invictus Portucale”, de 10 de abril, compartilha o vídeo em que um brasileiro diz que os portugueses mais jovens, influenciados por conteúdos brasileiros nas redes sociais, estão adotando o português do Brasil como idioma.

Palavras como “geladeira” e “ônibus” já passam a ser usadas no lugar de “frigorífico” e “autocarro”, respectivamente. 

O perfil aponta que, “aos poucos a língua de Camões que é o português europeu é assassinada pela matriz judaico-cristã”.

Um dos comentários ironiza: “Luccas Neto foi a maior vingança dos brasileiros contra Portugal. Isso deveria ser debatido na ONU”.

Luccas Neto é um dos youtubers brasileiros assistidos por crianças portuguesas. Ele costuma fazer shows pelo país europeu e tem novas apresentações por lá previstas para setembro deste ano.

Uma professora brasileira de Santa Catarina de 32 anos que mora em Lisboa e preferiu não se identificar, conta os bastidores da escola onde seu filho estuda.

“Em uma reunião com familiares, uma professora disse que as crianças que falavam português do Brasil precisavam aprender o ‘português correto’”, lembra.

Um estudante de Direito de 28 anos, que nasceu em São Paulo e mora em Belo Horizonte (MG), que também preferiu não se identificar, conta os bastidores da universidade onde estudou, em Coimbra, entre setembro de 2023 e fevereiro de 2024. 

“Em grupos da faculdade, vários portugueses, em vários momentos, falavam para os estrangeiros que o português do Brasil nem era uma língua, era um dialeto errado.”

Na Universidade de Lisboa, conhecida por recepcionar intercambistas, onde Marcela Porto estuda, enquanto alguns professores aceitam trabalhos em inglês e espanhol, outros não querem saber do português do Brasil.

“Eu tinha chegado em Portugal há poucas semanas e era a única brasileira da turma. A professora estava falando sobre o trabalho final e perguntou: ‘Cadê a brasileira?’. Eu levantei a mão e ela disse: ‘Você não pode escrever em português brasileiro porque aqui só escrevemos em português de Portugal’. E ela fez a mesma coisa nas duas aulas seguintes que tivemos. Foi constrangedor”, relata.

Para a doutora em Língua e Cultura e professora de Linguística da UFRB Amanda Reis, o preconceito linguístico é um dos desdobramentos da xenofobia.

“Vivemos num mundo brancocêntrico e eurocêntrico, regido pelas leis do capitalismo. O Brasil, na visão dos portugueses, é um país explorado, subdesenvolvido, caracterizado pela desigualdade. Esse cenário reflete na língua por questões históricas”, analisa.

“Eles acreditam que o português que eles falam é superior, é original, é puro, e o nosso sofre influência africana e indígena. Mas não existe nada que torne uma variedade superior a outra ou até digna de protecionismo”, explica Amanda Reis.

“As línguas mudam, é natural que os contatos linguísticos aconteçam. Desses contatos, vão surgir variações linguísticas, que são as diferentes formas coexistindo. É isso que faz com que a língua permaneça viva, ela se reestrutura conforme as necessidades comunicativas dos falantes”, finaliza a especialista.

[*] – Fonte: https://www.correio24horas.com.br/