A dengue ainda não tem um tratamento específico, ou seja, não existe um medicamento que atue combatendo a ação do vírus no organismo, como um antiviral. Atualmente, o tratamento é baseado no uso de remédios que aliviam os sintomas, no repouso e na hidratação. Mas por que ainda não existe um medicamento específico para uma doença tão comum no Brasil e em outros países sul-americanos?De acordo com José Cerbino Neto, médico pesquisador do IDOR (Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino) e membro da câmara técnica de assessoramento em Emergências em Saúde Pública no Ministério da Saúde, existem diversos desafios para o desenvolvimento de um antiviral para a dengue.“Os primeiros desafios estão relacionados a todas as infecções virais agudas, porque, nelas, o período de replicação viral é muito curto”, afirma o pesquisador. Ele explica que, no caso da dengue, o vírus se multiplica no organismo antes de surgirem os primeiros sintomas e, depois que os sinais físicos se manifestam (como a dor atrás dos olhos, febre e outros sintomas típicos), ele se multiplica por pouco tempo a mais. Leia Mais “As consequências mais graves da dengue ocorrem quando o vírus não está mais se replicando no organismo”, afirma. “Então, nesse momento, o antiviral já não vai mais fazer efeito na prevenção da doença grave. Ou seja, a janela de tempo para fazermos o tratamento antiviral é muito curto, o que faz com que seja muito difícil desenvolver boas alternativas para o tratamento desse tipo de infecção”, completa.No caso da dengue, há ainda outros desafios a serem enfrentados para o desenvolvimento de um antiviral. Um deles é o fato de existirem quatro sorotipos diferentes do vírus da dengue, com genótipos divergentes entre si. “Isso dificulta ainda mais a busca de um tratamento que seja universal, que possa tratar bem todos os casos de dengue dentro dessa pequena janela de tempo para que o tratamento seja útil”, afirma Cerbino Neto.Atualmente, existem medicamentos em desenvolvimento e em fase de testes clínicos para o tratamento da dengue. Porém, nenhum deles foi aprovado para uso até o momento.Recentemente, um antiviral desenvolvido pela Janssen, farmacêutica da Johnson e Johnson, demostrou um efeito contra o vírus da dengue em testes clínicos com humanos. Os resultados iniciais foram apresentados em outubro do ano passado no Encontro Anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene, em Chicago, nos Estados Unidos.O trabalho mostrou que o medicamento JNJ-1802 induziu uma atividade inédita contra o vírus no organismo, além de ter se mostrado seguro e bem tolerado pelos participantes do estudo. Com isso, o medicamento avançou para a próxima fase de estudos, que pretende estabelecer a eficácia em voluntários de 10 países, incluindo o Brasil.Um outro fármaco também está sendo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e será testado em camundongos ainda neste ano. Quem está à frente deste projeto é o cientista americano Jeffrey Glenn, um dos criadores do conjunto de drogas contra a hepatite C. Inclusive, o projeto inclui pesquisadores do programa Ciência Pioneira, ligado ao Instituto D’Or.“De uma maneira geral, esses medicamentos que estão sendo estudados buscam impedir a replicação do vírus. Ou seja, eles podem atuar inibindo a síntese de proteínas do vírus ou podem atuar impedindo que o vírus faça a entrada na célula humana”, esclarece Cerbino Neto.O pesquisador explica que existem antivirais já em fase final de desenvolvimento clínico, mas ainda são necessários os resultados dessas últimas etapas de testes — que são realizados em humanos — para assegurar a segurança e a eficácia dos fármacos.Para o desenvolvimento de um antiviral, são necessárias várias etapas. A primeira delas é o desenvolvimento in vitro, em que moléculas são testadas em ambiente laboratorial para analisar sua capacidade de inibir a replicação do vírus.Em seguida, os estudos são feitos em modelos animais, como os camundongos. Nessa etapa, o objetivo é analisar se a ação da molécula na inibição a replicação do vírus, vista em laboratório, também acontece em um modelo vivo. Logo após, são iniciados os testes clínicos em seres humanos. Esses testes são divididos em três fases principais:“Atualmente, existem medicamentos que estão na fase 2 e outros que estão na fase 3. Se eles demonstrarem que funcionam bem para tratar a dengue, eles são submetidos para as agências reguladoras [no caso do Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)] para receber a aprovação e poderem ser oferecidos para toda a população”, afirma Cerbino Neto.De acordo com o especialista, o tempo de desenvolvimento de um antiviral pode variar de acordo com cada etapa do processo. Desde o teste em laboratório até a aprovação, pode levar, em geral, cerca de 10 anos. Na visão do pesquisador, por terem já medicamentos contra a dengue em fase final de estudo, “pode ser que tenhamos uma opção disponível em um horizonte curto de tempo”.Somente em 2024, o Brasil já somou mais de 2,5 milhões de casos de dengue e mais de 900 mortes confirmadas pela doença, segundo dados do Ministério da Saúde. Uma das principais formas de prevenir a doença é a vacina contra a dengue, que já está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) e está sendo aplicada em crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos, no momento.Na visão de Cerbino Neto, o antiviral servirá para impedir o desenvolvimento de doenças graves e óbitos em decorrência da dengue. “O antiviral não vai impedir que as pessoas se infectem, o que faz isso é a vacina. Mas ele poderá impedir que elas fiquem muito doentes, tenham formas graves da doença ou que, eventualmente, morram”, afirma.