Mulheres que fazem mamografia anualmente têm menor probabilidade de descobrir um câncer de mama em estágio avançado do que aquelas que fazem o rastreamento a cada dois anos ou com menor frequência. A constatação é de uma pesquisa da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, publicada em agosto no Journal of Clinical Oncology.
Para chegar à conclusão, os pesquisadores avaliaram as informações de 8.145 pacientes diagnosticadas com câncer de mama entre 2004 e 2019. O intervalo de rastreamento foi considerado anual quando o exame aconteceu em um período menor do que 15 meses; bienal se ocorreu entre 15 e 27 meses; ou intermitente se foi feito após 27 meses.
Entre as que faziam o exame anualmente, 9% descobriram a doença em estágio avançado; nas que passavam pelo teste a cada dois anos, esse índice foi de 14%; e no grupo das intermitentes, 19%. A tendência se manteve independentemente de idade, raça e da menopausa.
Segundo os autores comentam no artigo, esses resultados mostram a vantagem do rastreamento anual para o diagnóstico precoce e aumento da sobrevida. O câncer de mama é o segundo tipo mais comum entre as mulheres, ficando atrás apenas do câncer de pele não melanoma. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) projeta quase 74 mil novos casos por ano entre 2023 e 2025.
Quando descoberto em estágio inicial, as chances de cura do câncer de mama podem chegar a 95%. E a mamografia e o ultrassom desempenham um papel essencial nisso. Para se ter ideia, estudos indicam que a mamografia pode contribuir para a redução da mortalidade por câncer de mama em até 40%.
“Como em qualquer câncer, quanto mais precoce o diagnóstico, maior a chance de cura. Muitas vezes, a mamografia permite fazer o diagnóstico antes de o tumor se tornar invasivo, por exemplo. Nesses casos, as chances de cura chegam a 99,5%. Isso certamente contrasta muito com a sobrevida de cerca de 60% a 70% dos casos de diagnósticos em estágios mais avançados”, afirma a mastologista Danielle Martin Matsumoto, do Hospital Israelita Albert Einstein.
No entanto, embora existam mais estudos demonstrando os benefícios do rastreamento mamográfico para câncer de mama, as diretrizes recomendando com que idade e com qual frequência as mulheres devem fazer esse exame são conflitantes.
Nos Estados Unidos, o American College of Radiology, a American Cancer Society e outras organizações recomendam a realização de mamografias anuais após os 40 anos. Já a U.S. Preventive Services Task Force — grupo de especialistas que analisa evidências científicas em medicina preventiva e discute novas recomendações — orienta que os exames sejam bianuais a partir dos 40 anos.
No Brasil, a situação é ainda mais divergente: o Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, preconiza que o rastreamento do câncer de mama por meio da mamografia ocorra somente a cada dois anos, em mulheres de 50 a 69 anos. Porém, a Sociedade Brasileira de Mastologia, o Colégio Brasileiro de Radiologia e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) seguem o protocolo da American Cancer Society e recomendam mamografia anual a partir dos 40 anos.
Os autores do novo estudo apontam que cerca de 65% das mulheres com mais de 40 anos são rastreadas para câncer de mama nos EUA, e apenas cerca de metade delas faz o exame uma vez ao ano. Isso se deve, em parte, às diretrizes conflitantes sobre os intervalos de rastreamento recomendados.
Segundo Matsumoto, no Brasil os números devem ser ainda menores, especialmente considerando mulheres que usam a rede pública de saúde. “No sistema público raramente vemos mulheres na faixa dos 40 anos com diagnóstico feito por exame de rastreamento. Na maioria das vezes, ele acontece por queixa da paciente, que consegue palpar o próprio tumor e vai buscar ajuda. Na saúde suplementar isso é um pouco mais tranquilo e a falta de realização do exame nessa idade está mais associada à ausência da rotina da paciente”, pondera.
Em geral, o câncer de mama tem crescimento de lento a moderado, por isso a mamografia é capaz de identificá-lo no início. “Ainda assim, dentro dos cânceres de mama, existem alguns tipos de crescimento mais acelerado, são mais agressivos e, muitas vezes, vão acontecer no intervalo entre os rastreamentos. Por isso é tão importante que a mamografia seja realizada anualmente”, comenta a mastologista do Einstein.
Pacientes mais jovens, com idade abaixo de 49 anos, têm mais risco de desenvolver tumores agressivos. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) analisou os casos de quase 500 pacientes com 40 anos ou menos atendidas pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e constatou que 71% delas estavam com o tumor já em estado avançado quando diagnosticadas, e 85,6% chegaram ao diagnóstico devido a queixas clínicas.
Essa pesquisa mostrou também que a incidência de câncer de mama em mulheres jovens é maior no Brasil do que a registrada em outros países. Nos Estados Unidos, apenas 5% das pacientes têm menos de 40 anos; por aqui, são 15%. “Nos países desenvolvidos, com população predominantemente branca, em geral, a idade média do câncer de mama é 63 anos. Menos de 20% das pacientes têm câncer antes dos 50 anos e com menos de 40 anos é mais raro ainda, cerca de 5%”, relata Matsumoto.
Segundo o Inca, em 2023 a rede pública de saúde registrou 60.866 diagnósticos de câncer de mama em mulheres. Dessas, 6.927 (11%) tinham menos de 40 anos; 13.576 (22%) entre 40 e 49 anos; 15.684 (26%) entre 50 e 59 anos; e 24.679 (41%), acima de 59 anos.
Com relação às diretrizes para início da recomendação do rastreio mamográfico, o Inca declarou à Agência Einstein que reafirma as diretrizes em vigor no Brasil, com a recomendação de rastreamento para mulheres de 50 a 69 anos, a cada dois anos. O órgão publicou uma nota técnica em dezembro de 2023 em que cita um parecer técnico-científico que aponta como injustificada a ampliação do uso da mamografia para mulheres assintomáticas abaixo de 50 anos e acima de 69 anos no Sistema Único de Saúde (SUS).
No documento, o Inca informa que “apesar de algumas meta-análises demonstrarem potencial redução nas taxas de mortalidade por câncer de mama em mulheres com idade inferior a 50 anos que passam pelo rastreamento mamográfico (variando entre 15 e 20%), outras avaliações publicadas recentemente e de moderada-alta qualidade metodológica enfatizam não haver diferenças estatisticamente significativas nessas taxas.”
Na visão de Danielle Matsumoto, ao recomendar um exame de rastreamento, é preciso levar em consideração que existe a chance de um resultado falso positivo. Isso acontece quando a pessoa faz o exame, o médico vê um achado suspeito e precisa investigar se é câncer ou não, por meio de uma biópsia. Quando esse achado não se confirma como um câncer, ele é chamado de falso positivo.
“Quanto mais jovem a paciente, mais densas são as mamas e maior o risco de ter achados que precisarão ser investigados”, diz Matsumoto. A biópsia envolve equipamentos caros e exames complexos, que provavelmente estão menos disponíveis quando se fala em saúde pública. “Se a rede pública oferece a mamografia, tem que oferecer também os exames para investigar os achados alterados. É preciso dar seguimento”, avalia a mastologista.
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[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/