A questão dos médicos

Saúde

É inequívoco que faltam médicos no SUS. Não falta na iniciativa privada devido ao fato de que ela não alcança as periferias das cidades e os grotões. Ela se concentra no Sul/Sudeste e nas grandes cidades.

Mas no SUS faltam médicos e está cada vez mais caro conseguir lotar médicos na periferia das cidades. Hoje um contrato de 40 horas semanais de médicos clínicos para atuar na periferia de São Paulo, se situa em torno de vinte mil reais (o salário de uma enfermeira pela mesma jornada não passa de quatro mil e quinhentos reais). O medico está ganhando quatro vezes mais que as enfermeiras. Essa relação salarial na media dos países europeus fica em no máximo duas vezes. Temos algo como 2,3 médicos/1000 habitantes, e os países europeus 3,4!

Faltam médicos e eles estão mal distribuídos. Se concentram nas cidades e se entende perfeitamente a razão dessa má distribuição – as condições de vida fora das cidades mais populosas (somente temos 105 cidades com mais de 200 mil habitantes no país) são ruins – falta lazer, cultura, educação e acesso a condições melhores para a família. E o pior, as condições para a pratica de uma boa medicina são precárias – pequenos e mal aparelhados hospitais, falta de acesso a tecnologia e a outros profissionais com os quais dividir as duvidas e incertezas.

Mas existem cidadãos nesses locais e estes têm direito a assistência a saúde!

Como resolver essa complexa situação? Bem, talvez com um bom e cartesiano planejamento: quantos médicos faltam, onde, de que tipo. A seguir montamos a estrutura formadora e passamos a opera-la em um tempo adequado e ao mesmo tempo vamos melhorando as condições da pratica medica e talvez construamos um modelo de garantir nestes espaços uma condição mais decente de vida para os médicos e suas famílias. Mas este modelo cartesiano não é realizável e no caso do Brasil, a realidade se movimentou antes e a incapacidade do estado em regular esse movimento foi fator critico.

O Brasil teve um crescimento nunca visto de novas faculdades de medicina. Hoje somente a Índia com sete vezes mais população que o Brasil tem mais faculdades que o Brasil. Estamos com 390 escolas funcionando ofertando um total de 47 mi vagas por ano, 80% delas em escolas privadas. A maior parte das escolas não tem condições de oferecer nas cidades onde estão instaladas uma formação adequada aos alunos, não tem leitos de hospitais escolas e nem mesmo unidades de atenção básica suficientes para um bom ensino. Além disso é necessário expandir o número de vagas de residentes e preparar a possibilidade de formar especialistas através de mecanismos auxiliares, como as sociedades de especialistas. Mais problemas para o futuro.

Colocado desta forma a expectativa é que para um imenso problema – falta de médicos e sua má distribuição, estamos criando outro – um exercito de médicos mal formados e que também não ficarão nos municípios onde estão sendo formados. Caminhamos para um caos pior ainda.

Mas teremos muitos médicos….O que pode ser feito?

Existe pouco tempo para minorar um problema que agora terá solução – a falta de médicos e a capacidade de paga-los. E o problema será reforma-los e conseguir que eles aceitem trabalhar nas áreas que lhes serão designadas.

Grande parte destas tarefas caberão às estruturas estaduais e municipais do SUS. Serão eles que irão contratar estes profissionais e deverão reforma-los. Pode inclusive passar pela implementação de um exame da ordem, como os advogados já tem e que servirá para traçar uma linha de base sobre como está a formação atual dos médicos.

E que mais? Vamos reparar as condições de trabalho e articular com a massa de escolas existentes, preparando um ambiente de pratica medica com uma melhor infra estrutura de acesso a exames subsidiários, uso intensivo da tecnologia da informação, que garanta telemedicina, apoio de profissionais experientes para resolver problemas médicos mais complexos, enfim garantir que estes médicos não fiquem isolados nos grotões onde forem trabalhar. Construir ambientes de educação permanente para que a carga de doença que terão que enfrentar, seja enfrentada com apoio do conhecimento.

Também os prefeitos terão que conseguir garantir uma condição de vida melhor nestas regiões e conseguir gerar uma situação de instalação desses médicos mais adequada. A experiencia com os médicos cubanos teve muitas situações que foram assim resolvidas.

O ministério terá a obrigação de investir nas soluções tecnológicas, em particular as do mundo digital, devera produzir os protocolos e desenhar a proposta de educação permanente e estimular a ligação rede de formação com a rede de trabalho. As secretarias estaduais deverão construir a redes de tele consulta e de acesso a tecnologia medica e os municípios deverão dar estrutura a atenção primaria e a condição de recepção dos médicos que forem se instalar nos municípios.

A tarefa de reformar estes profissionais e oferecer a aqueles que aceitarem ir trabalhar nestas condições será fundamental. As experiências do Mais Médicos têm que servir de campo de melhoria do que terá que ser realizado. O SUS e os três entes federados, juntamente com as entidades privadas que formaram esses médicos deverão ser capazes de um processo de reformulação destas vidas – a dos profissionais e a dos cidadãos.

Somente não podemos ficar nessa posição de achar que o que a realidade construiu não serve para nada, é um problema insolúvel. Temos que conseguir pensar que o maior problema não é ter médicos mal formados e sim cidadãos sem assistência e partir para construir a solução mais adequada.

[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/