O tenente-coronel Mauro Cid terá de explicar ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma série de contradições entre o que contou em sua delação premiada e o que revelam as investigações a respeito de uma trama golpista no governo Bolsonaro.
Cid estará frente a frente com Moraes a partir das 14h. Durante o depoimento, conduzido de maneira excepcional pelo ministro, o militar terá de esclarecer incongruências para tentar salvar o acordo e manter seus benefícios.
A lei prevê, entre outros pontos, que um acordo homologado poderá ser rescindido em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração.
A principal pergunta a ser respondida pelo tenente-coronel é se ele sabia da existência do plano de assassinato de Moraes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
Os investigadores suspeitam que Cid sabia do plano e deixou de compartilhar a informação com a PF em seus depoimentos para fechar a relação premiada. O militar negou ter conhecimento.
Cid deverá explicar ao ministro a reunião realizada na casa do então candidato a vice-presidente Walter Souza Braga Netto (PL) em 12 de novembro de 2022. A PF diz que Moraes passou a ser monitorado por militares bolsonaristas depois deste encontro.
A investigação mostra que o planejamento operacional para a atuação dos “kids pretos” foi apresentado e aprovado durante a reunião.
As ações “foram executadas com a ciência e a participação de Cid e Marcelo Câmara, fornecendo detalhes da localização do ministro, mediante a arregimentação de fonte humana, que tinha acesso a tais dados”.
Cid deverá ser questionado sobre a troca de mensagens com o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira logo após a reunião na casa de Braga Netto.
A conversa evidencia, segundo os delegados que conduzem o processo, a existência de um planejamento que incluiria “hotel”, “alimentação” e “material” e teria com custo estimado em R$ 100 mil.
O militar encaminhou dias depois de reunião um documento protegido por senha a Cid chamado “Copa 2022”. Segundo os investigadores, “seria uma estimativa de gastos para possivelmente viabilizar as ações clandestinas que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022”.
As trocas de mensagens entre Cid e o general de brigada Mário Fernandes, também devem ser abordadas por Moraes durante o depoimento.
O general é suspeito de integrar o núcleo de oficiais de alta patente que atuaram para influenciar e incitar o apoio a outros grupos para a consumação de um golpe de Estado.
Os delegados responsáveis pela investigação afirmam no relatório enviado ao STF nesta terça-feira (19) que o general é “um dos militares mais radicais que integrava o mencionado núcleo militar”.
O general enviou um áudio a Cid na noite de 8 de dezembro de 2022 dizendo que esteve com Bolsonaro naquele dia e que o então presidente afirmou que “qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro”.
Na mensagem de voz, o general expressa a Cid preocupação sobre um possível descontrole sobre os rumos das manifestações antidemocráticas e demostra ter pressa em colocar o plano em prática antes da troca dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Em resposta, Cid diz: “Não, pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera, espera, espera, espera para ver até onde vai, ver os apoios que tem. Só que às vezes o tempo tá curto, não dá para esperar muito mais passar. Dia 12 seria… Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada”.
No dia seguinte, Bolsonaro rompeu cerca de 40 dias de silêncio em sua reclusão no Palácio da Alvorada após a derrota nas eleições e fez um discurso dúbio em que disse que “tudo dará certo” em “momento oportuno”.
Horas depois, o general manda mensagem a Cid, comemora discurso e diz que Bolsonaro aceitou “assessoramento”.
A investigação mostra que o militar “promoveu ações de planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos”. De acordo com a PF, o general frequentou o acampamento montado nas adjacências do Quartel-General do Exército, em Brasília, e manteve relação direta com manifestantes radicais que atuaram após as eleições de 2022.
Cid também poderá ser questionado por Moraes sobre o elo entre o general e os manifestantes radicais que pediam intervenção militar em frente ao Quartel-General do Exército e a eventual ligação dessa relação com os atos criminosos e golpistas de 8 de janeiro do ano seguinte.
Outra revelação feita pela investigação, e deve ser apresentada por Moraes para que Cid explique é a exclusão de mensagens sobre o monitoramento do ministro por militares.
As conversas entre Cid e suspeitos de seguirem os passos de Moraes foram excluídas do celular do tenente-coronel e recuperadas pela PF.
A mensagem enviada pelo coronel Marcelo Câmara a Mauro Cid no dia 7 de dezembro de 2022 e que posteriormente foi deletada, por exemplo, dizia: “Ele vai ficar em Brasília hoje. Amanhã provavelmente pra São Paulo final da tarde”.
Em uma mensagem enviada a Cid no dia 16 de dezembro de 2022, Câmara afirmou sem mencionar o nome do ministro que ele: “viajou pra SP hoje. retoma na manhã de segunda-feira e viaja novamente pra SP mesmo dia. Por enquanto só retorna a Brasília pra posse do ladrão. Qualquer mudança que saiba lhe informo”.
Em outra conversa, de 24 de dezembro, Cid pergunta a Câmara “onde a professora está”. O coronel responde: “deixa eu verificar. Está em SP – volta dia 31 a noite para a posse”. Cid questiona: “na capital ou no interior?” Câmara responde que “na residência em SP – eu não sei onde fica”.
[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/