Há décadas o Brasil vem atravessando um deserto no campo em que deveriam semear, germinar, nascer e florescer novas lideranças políticas. Ao menos desde as fronteiras da redemocratização, o País não vem sendo capaz de renovar consistentemente o conjunto de líderes políticos que poderia vislumbrar e viabilizar a Nação que os novos tempos demandam e que os velhos erros repudiam.
Ou seja, na ultrapassagem dessa aridez encontram-se muitas das nossas melhores chances de constituirmos um outro tempo nacional, distanciado de equívocos do passado, agendado pelas questões do presente e antenado nas oportunidades do futuro.
O Brasil preparou muita gente de todas as posições políticas no entorno de 1964. Depois veio o vácuo instaurado pela ditadura militar. Na luta pela redemocratização, o País voltou a formar lideranças em todos os campos do pensamento político – é daí que venho, meu treinamento foi na luta pela volta das liberdades. Nos últimos tempos se instalou um vazio quanto à formação de novos líderes.
As motivações desse hiato podem ser inúmeras, desde o tsunami sociotécnico e cultural que varre o planeta hoje conectado, passando pela ocorrência de tormentosos escândalos de corrupção, até o ataque ideológico à política de base democrático-republicana.
Em meio a essa conjuntura planetária, que dialoga perfeitamente com a nossa realidade, uma questão nacional deve ser destacada quanto à escassez de novas lideranças. Trata-se da necessidade de uma efetiva reforma do sistema político brasileiro, conferindo-lhe direção racional e programaticamente assertiva, contribuindo também para que os próprios partidos retomem a função de formar lideranças – tarefa que não é sua exclusividade, mas é uma de suas razões de existir.
Os mesmos motivos pelas quais minguou o fomento de novas lideranças são aqueles que demandam a formação de uma renovada escalação de líderes que reinventem o mundo a partir de seus desafios, assim como das suas oportunidades, é claro. Estamos carentes de personagens que sejam capazes de amalgamar sonhos, possibilidades e projetos, energizando os deslocamentos rumo à transformação.
Mas nem tudo é notícia ruim ou manchete desesperadora. No horizonte dessa dura travessia há sinais de trabalhos consistentes no semear de novas lideranças. O RenovaBR, verdadeiro celeiro de formação de lideranças comprometidas com a democracia, o humanismo e o republicanismo, sem vinculação a viés ideológico algum, encerrou seu quarto ciclo de preparação de agentes políticos com uma performance de crescente impacto nas eleições municipais de 2024.
Esse projeto é constituído no âmbito da sociedade civil, não faz uso de recursos públicos, mantido apenas com doações. Sou conselheiro da instituição, sendo essa uma das opções de trabalho voluntário que abracei a partir de 2019, desde quando não mais disputei eleições.
Neste ciclo de 2024, foram 365 lideranças do RenovaBR eleitas. Desse total, 44 vão assumir o cargo de prefeito(a), 25 de vice-prefeito(a) e 297 de vereador(a). Na comparação com as eleições de 2020, a escola mais do que dobrou o número de eleitos este ano. Vale dizer que os confirmados para as cadeiras são de 24 partidos e de 22 estados.
O exemplo exitoso do propósito de formação de líderes do RenovaBR deve inspirar outras iniciativas Brasil afora. Isso, sem falar dos partidos políticos, que devem, por meio de suas fundações, sustentadas por verba pública, voltar-se à crucial tarefa de formar novas lideranças políticas de modo ininterrupto.
Nesse sentido, temos demanda por parte de jovens que aspiram a essa posição, o que falta são oportunidades à preparação de novos líderes. Prova disso é a procura pelo RenovaBR. Para o ciclo de constituição das turmas de 2023/2024, o processo seletivo atraiu mais de 30 mil interessados. O RenovaBR selecionou 2.103 novos alunos, além de 96 ex-alunos que retornaram para aperfeiçoar suas habilidades.
Faz-se importante também lembrar que a atuação do Renova não se restringe a preparar jovens para disputar cargos eletivos. A entidade tem realizado um papel fundamental como escola de formação para a gestão pública, com muitos de seus alunos ocupando cargos em secretarias e órgãos administrativos de prefeituras e governos Brasil afora.
Na caminhada de formação de novos líderes, recomendo seminal livro “Liderança – Seis estudos sobre estratégia”, de Henry Kissinger. Lá encontramos uma verdadeira aula sobre a liderança, destacando-se “coragem e caráter” como “atributos vitais” de um líder, assim como seu papel de “educador” e também de aprendiz das temporalidades. Não se trata de um livro sobre o passado, mas sobre o que o passado nos legou como patrimônio consistente acerca do papel de lideranças no processo de evolução civilizacional.
Dadas as múltiplas marcas sísmicas da contemporaneidade, o trabalho do RenovaBR e as reflexões de Kissinger dialogam mais que perfeitamente com a atualidade e seus desafios estratégicos, constituindo-se como inspirações urgentes na superação do deserto que atravessamos quanto à formação de novas lideranças.
O Brasil não pode mais se dar ao luxo de caminhar à sombra de lideranças escassas e fragmentadas. O tempo urge, e não haverá atalhos que nos poupem do trabalho árduo de preparar líderes com coragem, caráter e compromisso público. A travessia desse deserto exige mais do que esperanças: demanda ação coordenada, projetos consistentes e o entendimento de que lideranças não surgem ao acaso – elas se cultivam, como árvores fortes, enraizadas em valores e voltadas para o horizonte.
[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/