Existem no Brasil, atualmente, 36 mil alunos com autismo, também chamado de Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo dados oficiais do Censo Escolar 2023, publicado em fevereiro de 2024. O número de matrículas de pessoas com autismo no país quase dobrou de 2022 para 2023. Apesar do aumento, ainda há falta de desenvolvimento de intervenções personalizadas baseadas no perfil único de cada indivíduo com TEA, a fim de oferecer melhor qualidade de vida.
Segundo o psicólogo especialista em Transtorno do Espectro Austista Fábio Coelho explica à CNN, o distúrbio não deve ser considerado como “uma coisa só”. É fundamental entender que existem várias singularidades do transtorno.
O TEA é um distúrbio que se caracteriza pela alteração das funções do neurodesenvolvimento, interferindo assim na capacidade de comunicação, linguagem e traços comportamentais do indivíduo. O especialista aponta que podem haver vários tipos e subtipos da doença, cada um deles podendo receber uma forma de tratamento. Na matéria abaixo, junto ao psicólogo, a CNN explica mais sobre as particularidades da doença, assim como o cuidado mais indicado para cada uma delas.
Os três níveis de autismo, conforme definidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), elaborado em 2013, classificam o Transtorno do Espectro Autista (TEA) de acordo com a necessidade de suporte que o indivíduo demanda para suas atividades diárias e sociais. Segundo o profissional, cada nível indica a gravidade das dificuldades em comunicação social e a intensidade dos comportamentos repetitivos e restritivos.
Este nível é considerado o mais leve dentro do espectro autista. Indivíduos diagnosticados aqui têm uma maior independência, mas apresentam dificuldades significativas nas interações sociais e algum grau de rigidez comportamental. Eles podem ter habilidades de linguagem desenvolvidas, mas a comunicação é superficial e carece de profundidade e reciprocidade.
Apresenta desafios maiores nas habilidades sociais e de comunicação, além de um padrão de comportamento mais rígido e repetitivo. Indivíduos nesse nível precisam de mais suporte do que aqueles no nível 1, pois apresentam dificuldades severas em se ajustar a mudanças e interagir de forma espontânea com outras pessoas.
Nível mais severo do espectro, com deficiências graves na comunicação e nos comportamentos adaptativos. Indivíduos nesse nível possuem dificuldade acentuada tanto na interação social quanto no controle de comportamentos repetitivos e restritos. A capacidade de adaptação a novas situações é extremamente baixa, o que gera a necessidade de suporte constante.
Uma pesquisa desenvolvida pela Brain & Behavior Research Foundation publicada na revista Nature em março de 2023, classificou o Transtorno do Espectro Autista ainda em quatro subtipos, a partir dos níveis apresentados anteriormente.
“Estudos como este são essenciais para possibilitar, cada vez mais, a divisão do espectro e proporcionar intervenções, ensinos e tratamentos personalizados. Quando conseguimos entender padrões de comportamentos que se assemelham, conseguimos produzir pesquisas para saber quais práticas, medicamentos, cuidados e tratamentos que melhor refletem para aquele subgrupo, aumentando as chances de mais pessoas terem qualidade de vida”, diz o especialista.
Os pesquisadores descobriram que, apesar das semelhanças, existem variações significativas entre os indivíduos, reunindo-as em dois grandes grupos. A tecnologia utilizada foi similar à aplicada em estudos para mapear subtipos de depressão.
Subtipo 1
Inclui dois subtipos, abrangendo pessoas com um comprometimento social bastante acentuado e que não tinham um repertório restrito e repetitivo de comportamento, ou seja, são indivíduos que lidam bem quando estão inseridos em grupos e não apresentam hábitos comuns, como agitação das mãos.
Subtipo 2
Já o outro subtipo apresenta pessoas que não possuem um comprometimento social acentuado, mas que apresentam mais comportamentos repetitivos. Assim como o subtipo anterior, também lidam bem quando estão com outras pessoas, mas possuem maior repetição de hábitos: agitação das mãos, alinhamento de objetos e brinquedos. Geralmente, quando impedidos de exercer essas repetições, podem sentir ansiedade.
Subtipo 3
Inclui indivíduos com severo comprometimento social e comportamento repetitivo, que apresentam uma perda significativa de habilidades previamente adquiridas. Ou seja: não se sentem confortáveis quando estão em grupo ou em locais com outras pessoas e podem, ao longo do tempo, perder hábitos e costumes que antes eram comuns, como demonstrar emoções, sorrir ou olhar nos olhos.
Subtipo 4
Engloba pessoas com comprometimento social e comportamentos repetitivos, mas que não se encaixam claramente em outras categorias e não possui um comportamento uniforme. Neste subtipo, os indivíduos podem apresentar características que estão inclusas em qualquer um dos outros, como o desconforto em grupo ou a agitação das mãos, mas não se restringe a isso.
A intervenção adequada no TEA se caracteriza por intervenção precoce de forma individualizada, através de terapias que visam potencializar o desenvolvimento do aprendiz. O transtorno pode ser identificado facilmente em um indivíduo a partir dos 2 anos de idade.
“As terapias com maior evidência de benefício são baseadas na ciência da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), abordagem que envolve a avaliação, planejamento e orientação do comportamento, associada à terapias auxiliares, como fonoaudiologia, terapia ocupacional, entre outras. Outras abordagens devem ser orientadas de acordo com cada caso individual. Algumas medicações são sempre recomendadas em casos de presença de comportamentos agressivos ou hiperativos”, explica Fábio.
Indivíduos no nível 1 precisam de menos suporte, mas ainda enfrentam desafios nas interações sociais e nas mudanças de rotina. “Os tratamentos são direcionados para melhorar as habilidades sociais e a flexibilidade cognitiva”, diz Fábio. Nestes casos são recomendadas, principalmente, ABA Naturalística, Treinamento de Habilidades Sociais e Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
Indivíduos no nível 2 requerem suporte substancial para interagir e adaptar-se a mudanças. Já o nível 3 necessita de apoio intensivo e contínuo. Para ambas, são recomendadas, ABA intensiva, Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) e Terapia Ocupacional com Integração Sensorial.
De acordo com o psicólogo, mesmo com os estudos sobre as peculiaridades do transtorno cada vez mais evidentes, especialmente no que diz respeito ao diagnóstico precoce, intervenções baseadas em evidências, e à compreensão dos aspectos neurológicos e genéticos do autismo, ainda há falta de conhecimento científico para especificar ainda mais os tipos e subtipos do transtorno, como:
“Dessa forma, torna-se viável entender como cada pessoa, de determinado grupo, irá reagir às intervenções e aos métodos de ensino, desde que sejam feitos de acordo com suas necessidades. Além disso, também conseguimos entender a expressão gênica associada a cada uma dessas características e as conexões cerebrais associadas a cada um dos subtipos. Isso nos permite pesquisar os genes envolvidos e personalizar também os tratamentos medicamentosos”, conclui Fábio Coelho.
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[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/