Um novo estudo mostrou, pela primeira vez, que uma imunoterapia injetável pode reduzir o risco de recidiva do câncer de bexiga quando combinado com a quimioterapia após cirurgia de remoção do órgão. O trabalho foi publicado na The New England Journal of Medicine, importante periódico científico mundial, e apresentado no último domingo (15) no Congresso Europeu de Oncologia, em Barcelona, Espanha.
O estudo, chamado NIAGARA, mostrou que a incorporação do Durvalumabe, imunoterapia injetável, ao tratamento aumentou em 34% a chance de resposta patológica completa, ou seja, a chance de o tumor desaparecer quando observado no microscópio após a cirurgia. Isso leva a uma redução de 32% no risco de o paciente apresentar recidiva, ou seja, retorno do câncer, após o término do tratamento.
“Os resultados obtidos neste estudo são importantes e poderão levar a uma mudança na forma como os pacientes com câncer de bexiga passarão a ser tratados, com chance de cura e qualidade de vida”, afirma Ariel Kann, coordenador do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e coautor do estudo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a American Cancer Society, 614 mil pessoas são diagnosticadas com câncer no órgão todos os anos, sendo o nono tipo mais frequente de câncer. A doença é quatro vezes mais comum em homens do que em mulheres e o principal fator de risco é o tabagismo, além de exposição ocupacional e a alguns produtos químicos.
O principal sintoma do câncer de bexiga é a presença de sangue na urina, que pode vir acompanhado de dor pélvica e ardência ou dor para urinar. O tumor é diagnosticado por meio de exames de imagem (ultrassom, tomografia ou ressonância) e cistoscopia, um aparelho com câmera introduzido na uretra, analisando a bexiga e colhendo fragmentos para realizar uma biópsia.
Existem dois tipos de paciente com câncer de bexiga, conforme explica Bruno Benigno, urologista e oncologista do Hospital Oswaldo Cruz e diretor da Clínica Uro Onco. “Há aqueles que têm o tumor superficial, ou seja, que pegou apenas a mucosa do órgão e não infiltrou na parte muscular, mais profunda da bexiga. E há o grupo que teve o tumor infiltrado na parte da musculatura. Quando isso acontece, há um grande contato com a vascularização, o que aumenta a chance de metástase”, afirma o especialista.
Atualmente, o tratamento é feito conforme o grau de evolução da doença, podendo variar de remoção parcial da bexiga (cistectomia parcial) ou remoção completa do órgão (cistectomia radical) — procedimento mais indicado para quem possui tumor mais profundo. Em estudos anteriores, foi descoberto que realizar quimioterapia antes da cirurgia poderia melhorar a expectativa de cura da doença entre 7% a 15%, o que tornou essa a abordagem padrão de tratamento de cânceres de bexiga avançados.
Apesar do tratamento atual ser efetivo, a recidiva da doença e a expectativa de vida ainda apresentavam desafios significativos, na visão de Benigno. A inclusão da imunoterapia na abordagem terapêutica, sugerida pelo novo estudo, pode ser uma forma de reverter esse cenário, apresentando uma solução mais eficaz para a sobrevida de pacientes com câncer de bexiga.
“O que é inovador nesse estudo é que agora temos uma droga que favorece um aumento das taxas de cura e expectativa de sobrevivência. Esse é o ganho”, comenta Benigno, que não esteve envolvido no estudo.
Para chegar à conclusão, o estudo incluiu 1.063 pacientes com câncer de bexiga que precisavam passar por cirurgia. Eles foram divididos em dois grupos: os que receberiam a quimioterapia convencional — com os quimioterápicos Cisplatina e Gencitabina — e os que receberiam a quimioterapia combinada com a imunoterapia Durvalumabe antes e depois da cirurgia.
“A imunoterapia age estimulando o nosso sistema imunológico a reconhecer as células tumorais como células inimigas. Com isso, o nosso próprio corpo passa a atacar as células tumorais”, explica Kann. Os participantes do estudo receberam a quimioterapia com ou sem imunoterapia e, em seguida, passaram para cirurgia. Os que passaram pelo tratamento com imunoterapia tiveram uma menor chance de recidiva do tumor.
A nova abordagem terapêutica sugerida pelo estudo é indicada para pacientes com câncer de bexiga localizado, ou seja, que ainda não sofreu metástase (não se espalhou para outros órgãos), segundo Kann.
Na opinião do coautor do estudo, a descoberta pode mudar a prática clínica de pacientes com câncer de bexiga. No entanto, para isso acontecer, os resultados ainda devem ser apresentados às agências reguladoras, como, no caso do Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Mas é só uma questão de tempo”, afirma Kann.
Já na visão de Benigno, o estudo pode apresentar algumas limitações, principalmente no cenário brasileiro. “Essa imunoterapia é uma medicação muito cara e é feita em, aproximadamente, oito ciclos e isso está longe de ser incorporado no sistema público de saúde. Então, um grande desafio é como trazer isso para beneficiar uma maior quantidade de pessoas”, avalia o urologista.
Outro desafio é identificar o desaparecimento do tumor antes da cirurgia de remoção da bexiga. “No estudo, aproximadamente 20 a 25% dos pacientes que receberam o tratamento de quimioterapia com imunoterapia não apresentavam mais o tumor na hora da cirurgia, o que é bom porque houve uma resposta completa, mas o grande desafio é como identificar esse desaparecimento completo do tumor antes de retirar a bexiga”, comenta Benigno.
Essa identificação prévia — que, segundo o especialista, poderia ser feita pelo desenvolvimento de marcadores sanguíneos ou urinários — poderia garantir para o cirurgião que houve uma regressão completa do tumor, aumentando a possibilidade de preservação da bexiga no paciente. “Nós ainda não temos esse marcador. Então, acredito que essa possa ser a direção futura dos próximos estudos”, afirma.
Segundo Kann, esse é o objetivo futuro dos pesquisadores. “O próximo passo é aproveitar esse estudo e analisar quais pacientes precisam receber todas as doses, quais pacientes precisam do aumento de ciclos de medicação. Está sendo investigado, nesse mesmo estudo, o DNA tumoral circulante. Também está sendo analisada a qualidade de vida dos pacientes e o objetivo futuro é, quem sabe, poupar os pacientes da cirurgia da bexiga, ou seja, tratá-los sem cirurgia. Esse seria o mundo ideal”, declara.
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[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/