Uma semana após o governo anunciar a medida provisória (MP) que prevê descontos para os chamados “carros populares”, ainda não é possível ver um reflexo dos incentivos nas vendas e na produção de veículos. Ontem, a General Motors (GM) propôs suspender o contrato de 1.200 trabalhadores da fábrica de São José dos Campos, em São Paulo, por meio de layoff, a partir do dia 3 de julho. Com a decisão, a produção em um dos turnos pode ficar suspensa por até dez meses.
Segundo a GM, a medida faz parte de um ajuste à atual demanda do mercado:
“A GM informa que está negociando com o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos medidas para ajustar a produção à atual demanda do mercado, de forma a garantir a sustentabilidade do negócio. Neste sentido, a empresa propôs a realização de um layoff de cinco meses na fábrica de São José dos Campos, com início programado para o dia 3 de julho, podendo ser prorrogado por mais cinco meses”, disse em nota a empresa, que tem 3.958 trabalhadores na unidade, onde produz os modelos S10 e Trailblazer.
O layoff é uma ferramenta prevista no contrato de trabalho e prevê que os trabalhadores fiquem em casa, façam cursos de requalificação e recebam parte dos salários com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Mas é necessária a aprovação dos trabalhadores em assembleia. O sindicato propõe, em vez do layoff, a redução da jornada de trabalho sem redução de salário.
Só no primeiro semestre, foram registradas 14 paralisações para ajustar a produção de veículos à demanda mais fraca. As fábricas recorreram a férias coletivas, layoff e redução de turnos para evitar demissões. Essa situação preocupa o governo, que criou o programa de incentivo fiscal para o setor, sendo R$ 500 milhões em créditos tributários para baratear carros de até R$ 120 mil.
O ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, admitiu que um dos objetivos é evitar paralisações e demissões no setor, que, segundo ele, emprega 1,2 milhão de pessoas.
Um dos responsáveis pelo programa, o secretário de Desenvolvimento Industrial, Uallace Moreira, considerou a decisão da GM um caso isolado. Segundo ele, algumas decisões estão sendo tomadas com base em algo que já estava acontecendo anteriormente:
— A perspectiva é que o programa tenha efetividade em um prazo mais curto do que o planejado. O caso da GM é isolado e pode ser alterado.
Ontem, o governo divulgou a lista de 233 versões e 31 modelos de automóveis com descontos de até R$ 8 mil. Foram usados três critérios para definir o valor da redução: eficiência energética, preço do veículo e quantidade de peças de fabricação nacional. Aderiram ao programa as montadoras Renault, Volkswagen, Toyota, Honda, Hyundai, Nissan, GM, Fiat e Peugeot.
Os descontos variam de R$ 2 mil a R$ 8 mil. As maiores reduções foram para a montadora Fiat, que teve três versões do Fiat Mobi 1.0 com desconto de R$ 8 mil. Ainda com o desconto máximo está o Kwid 1.0 Zen, da Renault.
Na faixa de R$ 7 mil de desconto, está, por exemplo, o Gol 1.0 Trendline, da Volks. Algumas versões do Onix, da General Motors, têm redução de R$ 6 mil, assim como modelos do Hb20, da Hyundai, e do Citroën C3 1.0, da Peugeot. O Logan 1.0 Life, da Renault, e modelos do Fiat Cronos estão com desconto de R$ 5 mil.
Modelos do Yaris, da Toyota, têm desconto de R$ 4 mil; e versões do Kicks, da Nissan, de R$ 3 mil. Já as reduções de R$ 2 mil foram para modelos da General Motors e da Hyundai, como versões do HB20 Comfort e do Spin 1.8.
Dados do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam), sistema que faz o registro de veículos do país, mostram que o programa do governo ainda não se refletiu nas vendas. Analistas do setor avaliam que o impacto deve começar a ser visto nas próximas semanas.
Até dia 13 deste mês, foram emplacados 49.935 veículos, incluindo passeio, caminhões e ônibus. Em junho de 2022, até o mesmo dia 13, foram 66.828 unidades.
A Bright Consulting, consultoria especializada no setor automotivo, prevê, contudo, que até o fim de junho sejam emplacados 182 mil veículos frente aos 165.688 registrados no mesmo mês do ano passado. A consultoria diz que ainda não é possível enxergar o impacto das novas medidas nas vendas, o que deve acontecer nos próximos dias.
Com a expectativa do anúncio do pacote do governo, as vendas de maio tiveram o pior desempenho desde 2016, segundo a Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave). A queda foi de 10,3% na média de vendas diárias, sobre abril, mesmo com quatro dias úteis a mais.
Nos pontos de venda, após semanas de estagnação à espera do anúncio dos descontos, a percepção é que o fluxo de clientes aumentou. A consultora Maria Lucineia, que trabalha em uma concessionária da Volkswagen em Botafogo, na Zona Sul do Rio, conta que os telefones não param de tocar e que as visitas à loja ficaram mais frequentes — a procura geralmente é pelo modelo Polo, que, com o desconto, sai numa faixa de R$ 75 mil.
A vendedora afirma que a expectativa é que as vendas aumentem até 50% neste mês:
— Compramos mais carros, aumentamos o estoque.
A queda nos preços foi decisiva para a assistente social Simone Travassos. Ela conta que estava se programando para comprar um seminovo no fim do ano. Com os descontos, porém, aproveitou para antecipar a compra e voltar para casa com um Fiat Mobi Like branco:
— Para comprar um usado no mesmo valor, prefiro levar um carro zero.
Para enfrentar a concorrência, além dos descontos do governo, as concessionárias vêm oferecendo outros benefícios. Numa revendedora Fiat, também em Botafogo, um funcionário que preferiu não se identificar conta que, dos cerca de dez carros vendidos por dia, o Pulse é o mais procurado. Ele custa cerca de R$ 120 mil, mas está sendo oferecido a R$ 109 mil — um desconto maior do que o proposto pelo governo.
— Temos que nos diferenciar do concorrente — disse o consultor.
*Estagiária, sob supervisão de Danielle Nogueira
[*] – Fonte: https://extra.globlo.com/