Carro popular: ‘Incentivo só vai antecipar venda que aconteceria de qualquer forma’, diz especialista

Carros & Motos

Defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como uma forma de dar um impulso na produção e vendas de veículos e beneficiar o consumidor com descontos, o chamado programa do carro popular não deve ser suficiente para aumentar o número de brasileiros disposto a comprar um carro zero quilômetro. A tendência é que favoreça motoristas que já tinham planos de comprar um veículo novo — e podem antecipar essa decisão — e grandes empresas donas de frotas, como as locadoras.

A avaliação é de Cristiano Doria, sócio-diretor da Roland Berger Brasil e autor de um estudo sobre o setor automotivo no país, que prevê que só em 2030 o país voltará a produzir mais de 3 milhões de unidades — a capacidade de produção é de 4 milhões atualmente.

A avaliação é de Cristiano Doria, sócio diretor da Roland Berger Brasil, e autor de um estudo sobre o setor automotivo no Brasil, que prevê que só em 2030 o país voltará a produzir mais de 3 milhões de unidades — a capacidade de produção é de 4 milhões atualmente.

Como avalia o pacote de incentivo tributário para o setor automotivo?

O pacote é paliativo e só vai beneficiar os grandes compradores de veículos, como as locadoras. Passados os primeiros 15 dias, quando só as pessoas físicas podem comprar carro com desconto, as pessoas jurídicas poderão comprar o restante dos mais de 120 mil carros que estão estocados no pátio das montadoras.

O desconto não estimula o crescimento das vendas?

O incentivo só vai antecipar uma venda que aconteceria de qualquer forma. Claro que toda ajuda é bem-vinda, mas o pacote não vai impulsionar a produção e as vendas. E quando vemos o governo falando de austeridade fiscal e ao mesmo tempo dando subsídio (…) Antecipar a taxação do diesel para bancar o programa é tirar de um bolso para colocar no outro.

Dá para chamar os veículos vendidos com desconto de “carros populares”?

Os carros que estão sendo oferecidos com desconto não são populares. São carros de entrada. Não são os veículos populares de antigamente sem espelho ou central multimídia, com bancos de plástico. As montadoras têm produzido veículos com cada vez mais valor agregado. É o fenômeno brasileiro dos SUVs.

Por que os carros ficaram tão caros?

Há um fator econômico, que é a queda do poder aquisitivo e perda de renda no Brasil. E os carros ficaram mais caros com a crise de desabastecimento dos componentes que começou na pandemia. Faltou matéria-prima, o que fez o preço dos carros subir até 30% até o ano passado.

O problema que a indústria automotiva enfrenta, com queda de produção e de vendas, não é isolado, certo?

Não é só a indústria automotiva. É um problema geral da indústria brasileira. Nos últimos 30 anos houve desincentivo à indústria nacional. A balança comercial do Brasil no mercado de veículos está próxima de zero nos últimos três anos. Países como EUA, Alemanha e Coréia estão investindo na indústria automobilística local nesse processo de transição para a eletrificação.

O Brasil também deveria fazer isso?

Sim. Sem viés de protecionismo. Não adianta ser oito ou 80 e fechar o mercado para importados. Precisa ter um programa focado para desenvolver a indústria local. Por que exportar minério de ferro e importar aço? Temos indústrias nacionais de autopeças que são multinacionais como Tupy, Weg, Sabó, Fras-le, Randon, que já têm participação relevante no mercado internacional. Não somos o patinho feio.

O processo de eletrificação no Brasil pode estimular essa virada de chave aqui também?

A eletrificação no Brasil vai acontecer num ‘timing’ diferente dos outros países. Temos aqui uma matriz energética importante que é o etanol. E os veículos que utilizam o biodiesel têm o mesmo papel. Haverá uma transição mais lenta.

Alguns países têm investido no chamado ‘nearshoring’, ou seja, trazer a produção para perto das empresas, reduzindo a dependência do exterior. O Brasil segue esse caminho?

O México, por exemplo, vem investindo muito nisso, trazendo para mais perto do usuário final os fornecedores da cadeia automotiva. Mas o país tem a vantagem competitiva de estar perto dos EUA. No Brasil também estamos vendo esse movimento de ‘nearshoring’. O Brasil já tem um grande mercado consumidor, e podemos fornecer para Argentina, Chile, África do Sul, por exemplo. Temos mão de obra de qualidade, matéria-prima, mas a carga tributária e o Custo Brasil têm impacto negativo.

Um estudo, de sua autoria, mostra que só em 2030 a indústria brasileira vai voltar a produzir mais de 3 milhões de veículos, mas a capacidade atual do nosso parque industrial é de 4 milhões. Isso não é muito distante?

O estudo sinaliza algo entre 3 milhões e 3,6 milhões. E isso num cenário otimista. Não dá para cravar.

[*] – Fonte: https://extra.globlo.com/