Os atletas olímpicos treinaram suas vidas inteiras para alcançar o objetivo de subir ao pódio dos vencedores. Além de tonificar seus corpos, eles também refinam suas mentes e trabalham a saúde mental.
“Ter um cérebro vencedor não é sobre uma solução rápida. Você tem que nutrir seu cérebro e cuidar dele”, diz o psicólogo Jeff Brown, professor clínico assistente da Harvard Medical School e coautor de “The Winner’s Brain: 8 Strategies Great Minds Use to Achieve Success” (“O Cérebro Vencedor: 8 Estratégias que Grandes Mentes Usam para Alcançar o Sucesso”, em tradução livre).
Leia Mais
“Você precisa alimentá-lo com boas gorduras, como ômega-3. Seu cérebro tem um peso de 1,3 kg que você não quer perder”, afirma Brown, que é psicólogo esportivo da Maratona de Boston.
“Você precisa movê-lo — a função cerebral melhora se você estiver em movimento. Isso é uma das melhores coisas que você pode fazer pelo seu cérebro”, diz o especialista. “Você precisa dormir — o sono é crítico para a consolidação da memória e aprendizado.”
Força mental, foco e resiliência não vêm sem esforço, mesmo para os melhores atletas do mundo. Pesquisadores estudam os atletas olímpicos há décadas e descobriram que eles compartilham alguns traços, hábitos e qualidades comuns que você também pode usar para desenvolver uma mentalidade vencedora.
Muitos atletas olímpicos, especialmente os extremamente bem-sucedidos, veem o estresse como um desafio em vez de algo que eles deveriam temer, diz o psicólogo esportivo Dan Gould, ex-diretor do Instituto para o Estudo dos Esportes Juvenis e professor emérito de cinesiologia na Michigan State University.
“Chamamos isso de mentalidade de estresse ou sua visão de mundo sobre o estresse”, afirma Gould, que já foi consultor do Comitê Olímpico dos Estados Unidos e da Associação de Tênis dos Estados Unidos. Ele estuda os atletas olímpicos há décadas.
“Pesquisas com nadadores de alto nível na Inglaterra, todos capazes, mostraram que os nadadores que tiveram o melhor desempenho viam o estresse como mais facilitador do que debilitante”, diz o especialista.
“Qualquer atleta de elite sabe que haverá pressão, e os principais atletas aprenderam a vê-la como um desafio, seja por tentativa e erro ou trabalhando em treinamentos mentais, como permanecer no presente. Isso tem muitas implicações para todos”, afirma.
Um experimento famoso publicado em um relatório de janeiro de 1998 analisou como as pessoas viam o estresse e descobriu que o risco de morte prematura aumentou em 43% para aqueles que viam o estresse de forma negativa. Aqueles que viam o estresse como positivo tinham o menor risco de morte de todos no estudo, até menor do que pessoas que relatavam muito pouco estresse.
“Os pesquisadores concluíram que não era o estresse que estava matando as pessoas. Era a combinação de estresse e a crença de que o estresse é prejudicial”, diz a psicóloga Kelly McGonigal em uma entrevista anterior à CNN internacional.
“Os pesquisadores estimaram que, ao longo dos oito anos em que conduziram seu estudo, 182 mil americanos podem ter morrido prematuramente porque acreditavam que o estresse estava prejudicando sua saúde”, diz McGonigal, que discutiu o estudo em seu livro “The Upside of Stress: Why Stress Is Good for You, and How to Get Good at It” (“O lado positivo do estresse: por que o estresse é bom para você e como se tornar bom em lidar com ele”, em tradução livre do inglês).
Muitos dos atletas mentalmente mais fortes e resilientes têm um histórico de superação de adversidades em seu passado, diz Gould. Pode ser uma dificuldade, doença ou até mesmo a morte de um ente querido.
“É realmente difícil construir resiliência a menos que você tenha sido desafiado”, afirma Gould. “Se eu o protegesse durante toda a sua vida e nunca o deixasse resolver as coisas por conta própria, você certamente ficaria estressado quando enfrentasse um obstáculo.”
Simone Biles é um bom exemplo de uma atleta que enfrentou adversidades muito públicas e se recuperou, aponta Brown. Ela se retirou das finais por equipes nos Jogos de Tóquio 2020 devido aos “twisties”, quando seu cérebro e corpo pararam de se comunicar perfeitamente, como haviam feito em incontáveis rotinas quase perfeitas nos treinos.
“Qualquer pessoa pode se sentir sobrecarregada”, afirma Brown. “A resiliência é a parte de nós que nos permite levantar toda vez que somos derrubados. Acho que Simone mostrou que realmente lida bem com o estresse e é muito mais resiliente do que pessoas que nunca enfrentaram essa barreira.”
A conexão entre adversidade e desempenho mental máximo é tão forte, de fato, que os atuais treinadores esportivos usam “treinamento sob pressão” para ajudar seus atletas a se prepararem para a competição, segundo Gould.
“Com a permissão do atleta, o treinador aumenta a pressão, quase como se estivesse dando a você a doença do medo e depois deixando seus anticorpos se fortalecerem psicologicamente”, explica Gould. “O treinador então coloca o atleta em situações cada vez mais desafiadoras, onde ele precisa acionar esses anticorpos.”
O objetivo desse método é praticar todas as formas pelas quais uma performance mental ou física pode dar errado e depois corrigi-las, segundo Brown.
“Errar de propósito desenvolve uma voz interior que pode imediatamente dizer ‘Ok, já cometi esse erro antes. Aqui está como consertá-lo.’ Em atletas altamente funcionais, a capacidade de se recuperar tem que ser tão boa quanto a capacidade de performar”, diz.
Não há espaço para dúvidas na mente dos atletas olímpicos, de acordo com Gould. “Eles têm que acreditar que são capazes de performar bem ou já deram vantagem à competição”, afirma. “Eles têm que entrar no evento com total confiança.”
Os atletas olímpicos geralmente se sentem extremamente confiantes porque passaram centenas ou até milhares de horas praticando suas performances e aprendendo com os fracassos ao longo do caminho.
“É isso que o cérebro exige para funcionar bem, porque você está criando esses caminhos neurais que permitem que você seja preciso. É como uma memória muscular para o cérebro”, explica Brown.
Existem várias ferramentas que os atletas — e seus treinadores — podem usar para desenvolver resiliência mental, como autoafirmações, imagens, visualizações e atenção plena, segundo os especialistas.
“Os atletas olímpicos fazem treinamento de atenção plena, onde tentam não julgar ou se preocupar, mas apenas permanecer no momento presente”, afirma Gould. “Eles podem ter certas frases de autoafirmação, como ‘Confie no seu treinamento’, ou ‘Já estive nessas situações difíceis antes, siga o plano.’”
Outra ferramenta é a visualização, segundo Gould. Esquiadores olímpicos percorrem o curso, planejando seus movimentos, depois refinam isso até a perfeição nos treinos antes de visualizar essa performance impecável pouco antes do evento.
“Você ensina a si mesmo a acreditar que, devido à repetição e sempre melhorando dentro de si mesmo — não contra a competição, mas dentro de si mesmo”, afirma.
A regulação emocional é tão importante quanto a preparação física ou mental, segundo Gould. “Todos nós temos um conjunto de emoções que sentimos ser importantes para que desempenhemos o nosso melhor: Estou confiante, mas não excessivamente confiante. Estou ansioso, mas é uma ansiedade boa. Talvez eu esteja um pouco com medo, mas não é algo esmagador”, afirma.
“Existe uma mistura ideal dessas emoções que permite que você atinja seu pico de performance, mas você precisa de um termostato — uma maneira de ajustar essas emoções para cima ou para baixo quando necessário”, completa o especialista.
Uma técnica comprovada para acalmar a si mesmo é focada na respiração profunda, segundo Gould, mas há outras táticas que podem ser igualmente eficazes. Alguns atletas colocam um elástico no pulso e o estalam quando querem se recentrar, o que é uma forma de grounding.
O especialista relembra de ter estudado uma das equipes olímpicas femininas de futebol, em que as jogadoras inventaram “palavras-código” para ajudar umas às outras a regular suas emoções.
“A equipe criou as palavras fogo e gelo”, explica Gould. “As jogadoras gritavam ‘Fogo!’ para outras jogadoras se achassem que a equipe precisava ficar mais emocionalmente carregada. Quando uma jogadora estava em perigo de receber um cartão, gritavam ‘Gelo!’ para acalmá-la.”
Não apenas os atletas de alto nível praticam até que a habilidade física se torne quase uma resposta física inata, mas eles geralmente têm rituais específicos que fazem antes de cada evento, dizem os especialistas.
“Rotinas são realmente importantes”, afirma Gould. “Eles podem aquecer da mesma forma, sempre imaginar-se executando o evento perfeitamente, alguns até contam piadas até 60 segundos antes do evento.
“Atletas que performam bem, especialmente sob pressão, seguem sua rotina. Atletas que não performam bem, por algum motivo, se desviam dessa rotina”, afirma.
Não é apenas a prontidão física que precisa de uma rotina, acrescenta Gould. Os treinadores, muitas vezes, ajudam os atletas a se prepararem para quaisquer emergências ou atrasos que possam ocorrer antes de uma apresentação.
“Qual é a sua rotina de aquecimento? Em outras palavras, se houver um atraso por causa do clima, como você mantém o foco ou volta a ele? Qual é a sua rotina de encurtamento? Se houve um engarrafamento e você chegou atrasado ao local, por exemplo, como você se prepararia em um período de tempo mais curto?”, exemplifica.
“Nesse caso, o atleta pode se alongar no ônibus. Se ele normalmente faz sete exercícios, aqui estão os três que preciso fazer com certeza”, explica Gould. “E então eles farão coisas para se acalmar, como respiração profunda e certas frases de autoafirmação.”
Os melhores atletas não podem se dar ao luxo de se distrair quando é hora do grande evento. Novamente, é importante identificar quaisquer gatilhos que você possa enfrentar e experimentá-los durante o treino até que desapareçam em segundo plano.
“Os atletas precisam estar preparados para distrações, como o barulho da multidão, alguém rindo, até mesmo uma piada contada por perto”, diz Gould. “Introduzimos distrações durante o treino, como ruídos muito altos nos alto-falantes, para permitir que eles pratiquem manter o foco e a regulação emocional.”
Algumas pessoas chamam isso de “entrar na zona”, onde tudo, exceto a tarefa em questão, desaparece.
“Quando você está enfrentando um dos eventos mais importantes da sua vida, os melhores atletas não se concentram no resultado, eles se concentram no processo necessário para alcançar seu objetivo”, explica Gould.
Por exemplo, um nadador olímpico se concentraria nas técnicas necessárias para terminar com um tempo recorde mundial, como o número de braçadas e a posição dos braços na água.
“Não estou dizendo que eles não são competitivos, mas quando o estresse está batendo, eles se concentram no que podem controlar, que é o processo que precisam realizar para alcançar esse objetivo”, finaliza.
Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.
versão original
[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/