A saúde dos pés faz lembrar imediatamente de contágio. É recente a constatação do alto grau de contaminação que as solas dos sapatos coletam em sua caminhada diária, pisando sobre dejetos animais (ou humanos, em piso de banheiros), ou restos vegetais em decomposição que servem como meio de cultura, ou mesmo via poeira, onde podem se agregar bactérias e fungos.
Do sapato para a pele dos pés o caminho é fácil, já que microrganismos não se detém com barreiras físicas. E os costumes milenares japoneses de retirar os calçados ao entrar em casa se mostram cientificamente corretos.
A incidência de fungos é comum nos pés, e um foco de contágio frequente são as canchas de esporte e academias de ginástica, onde podem existir resíduos orgânicos, calor e umidade — fatores essenciais para uma colônia fúngica se desenvolver e manter esporos saudáveis e viáveis para explorarem novos hospedeiros.
Sendo mais específico: cuidado com aqueles bancos de madeira um pouco apodrecidos nos vestiários! Madeira apodrecida sempre tem fungos. E fungos liberam esporos ao ambiente, portanto não basta não encostar no foco.
As sandálias nesses locais são muito recomendáveis. Manter a pele seca, enxugando-se adequadamente, evita a persistência da umidade que os fungos gostam.
A superfície da pele íntegra é a primeira defesa física do corpo contra germes. Os fungos conseguem abrir brechas e facilitam a entrada de bactérias.
É assim que acontecem as erisipelas, que são infecções graves e incapacitantes do subcutâneo das pernas, causadas por estreptococos.
Essas bactérias acessam os subterrâneos da pele pelas brechas simplórias abertas por fungos, os chamados “pés de atleta”, que são pequenos cortes ou microfissuras entre os dedos, e que passam menosprezados.
Essas infecções profundas são de tratamento difícil e prolongado, sempre sujeitas a recidivas.
É importante manter uma rotina simples de troca frequente de meias, permitindo a saída do suor retido e sempre preferir meias permeáveis e de algum percentual de algodão, suficiente para enxugar suor.
Além de ter sempre um creme antimicótico para aplicar em caso de suspeita.
Não faz sentido aplicar talcos antissépticos dentro dos sapatos, melhor deixá-los na janela, portas ou varandas, expostos à luz ultravioleta do sol, que tem ação antisséptica.
Micoses de unha são um problema difícil de resolver. Depois de um certo tempo, ganham mais de 50% da lâmina ungueal e passam a necessitar tratamentos longos com medicações orais, hepatotóxicas. Aplicações seriadas de laser têm sido eficientes.
Não é saudável nenhum exagero higienizante, como alguns pacientes que chegam ao ponto de secar os pés com secadores de cabelo. Isso acaba reduzindo também o microbioma da pele, que é o conjunto de bactérias que interagem com as células imunes.
Também não é saudável deixar de andar de pés descalços, já que a falta de ação regular dos nossos linfócitos induz a produção de fenômenos alérgicos, por vezes mais graves que infecções.
O equilíbrio é o mais saudável.
Em casos excepcionais, como foi nas enchentes do Rio Grande do Sul, onde as águas da chuva se misturaram ao esgoto, trazendo o potencial de leptospirose e furunculoses, existe uma ação prática simples: os chamados bleaching-baths.
São 150 ml de hipoclorito numa banheira cheia, ficando com o corpo imerso dez minutos ou, não tendo banheira, a opção de uma colher de sopa em um litro de água, pulverizando-se na pele com borrifador de plantas.
As alergias nos pés são bem comuns a calçados de tiras de borracha, já que a Helvetia brasiliensis, a seringueira, é potente indutor da sensibilidade da pele, por isso luvas de látex não estão sendo usadas em hospitais e clínicas médicas e odontológicas.
Outra causa comum de alergias nos pés, em especial de crianças, que têm a pele mais fina e facilmente permeável, são as meias multicoloridas, já que cada cor é um metal diferente que, com o desgaste, se desprende para pele.
Também o excesso de amaciantes, cuja composição química é complexa, e que acaba sendo concentrado na superfície cutânea, é causa comum de dermatites alérgicas de contato.
Há publicações muito recentes sobre a relação das mudanças para estilos de vida simples e de contato forte com a natureza com a prevenção de doenças inflamatórias, e a recomendação do chamado “grounding” repercute bastante no meio científico.
Cientistas da Connecticut School of Medicine (literatura médica revisada Pubmed, 2023) demonstram os efeitos do aterramento, que nada mais é do que o “andar descalço”, no mato ou na praia, na diminuição de índices inflamatórios do corpo.
Embora mais estudos sejam necessários, existe um certo sentido lógico, na medida que doenças inflamatórias como a psoríase são muito mais prevalentes em cidades de alta densidade de prédios onde faltam praças e bosques em comparação com cidades de natureza mais viva.
Embora ainda mais estudos se façam necessários, a diferença entre o benefício à saúde e a aquisição de doença no caso de andar descalço está certamente entre o meio ambiente poluído e o preservado.
Verrugas por vírus do grupo papiloma e calos são comuns entre os dedos ou nas solas e, mesmo quando muito pequenos, provocam dores desproporcionais do tipo pedra no sapato, arruinando viagens.
Cirurgias são procedimentos pouco aconselhados nesses casos, pela difícil recomposição cicatricial da área.
Aplicações de nitrogênio líquido (crioterapia) tem resultado em diminuição e descolamento das lesões.
É preciso ter cuidado ao cortar unhas, evitando adentrar os cantos. O corte excessivo, ou procedimentos exagerados causa reações vasculares como são os granulomas pirogênicos em unhas encravadas.
O cuidado com os pés é valioso ainda na prevenção do câncer de pele. Um grupo de dermatologistas europeus já usa o termo “doença de Bob Marley” para diagnósticos de um tipo de melanoma.
Não que muitos sabiam da causa da perda precoce desse gênio da arte musical: mancha escura no pé.
Provavelmente, em quem joga futebol e anda descalço, um melanoma de pé é facilmente confundido com hematoma das jogadas prensadas.
A causa da morte de Bob Marley foi um melanoma acral no hálux direito que teve um diagnóstico e tratamento tardios, seguido de metástases.
O melanoma acral independe da exposição solar, o diagnóstico não é fácil ao olhar destreinado e o curso é mais agressivo que outras variantes desse tumor já agressivo por natureza.
Recentemente, casos de melanoma ungueal em usuários frequentes de câmaras para secagem de unhas de gel por radiação ultravioleta trouxeram suspeita.
As avaliações anuais de prevenção do câncer de pele com dermatoscopia incluem o exame dos espaços interdigitais e solas, e o encontro precoce traz um altíssimo percentual de cura definitiva.
Os pés refletem e têm consequência na saúde do organismo. Comorbidades como diabetes, edema, varizes e hipertensão devem ser bem tratadas e vigiadas. Assim como hábitos saudáveis de exercícios e alimentação tendem a prevenir muitos problemas.
*Texto escrito pelo dermatologista César Bimbi (CRM RS 7967 – RQE 10039)
[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/