Digitais por foto, conversas apagadas e geolocalização: os métodos da PF para apurar plano golpista

Política

A fotografia armazenada em um celular apreendido pela Polícia Federal mostra uma carteira nacional de habilitação na palma da mão esquerda de um homem – que não é o dono da CNH. A maneira como ele segura o documento evidencia o dedo indicador. Isso já é suficiente para a perícia identificar, mesmo por fotografia, a identidade do homem que fotografou a carteira de motorista.

O dedo é do tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, preso nesta terça-feira (19). A análise de impressões digitais por meio de retratos fotográficos é apenas um dos métodos de apuração utilizados pela Polícia Federal para desvendar o suposto plano elaborado por militares bolsonaristas de golpe de estado e de assassinato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes.

A investigação contou ainda com a perícia de celulares, tablets, computadores, pen drives e HDs externos, análise de metadados de mensagens, inspeção de conversas apagadas em aplicativos, checagem de agendas públicas e planilhas de controle de acesso a prédios públicos, exame de dados de geolocalização e até pesquisa de históricos de máquinas impressoras.

Em um HD externo do general de brigada Márcio Fernandes apreendido pela PF foi possível encontrar, por exemplo, um arquivo Word que, de acordo com os investigadores, “indica a elaboração de um detalhado planejamento que seria voltado ao sequestro ou homicídio” de Lula, Alckmin e Moraes.

O arquivo denominado “Fox_2017.docx” foi classificado pelos delegados responsáveis pela investigação como “um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco”.

“Os metadados do documento denominado ‘PUNHAL VERDE E AMARELO’, indicam que o planejamento foi elaborado pelo general da reserva MARIO FERNANDES, que na época dos fatos, era o Secretário-Executivo da Secretária-geral da Presidência da República”, explicam os delegados.

A análise dos metadados do aplicativo Signal identificou os seis números de celular que faziam parte do grupo “Copa 2022”, criado para compartilhar o andamento do que a PF classifica como “ousada sequência de ações realizadas por militares, nitidamente realizadas a partir de um planejamento minuciosamente elaborado”.

“O evento ‘Copa 2022’ apresenta elementos típicos de uma ação militar planejada detalhadamente, porém, no presente caso, de natureza clandestina e contaminada por finalidade absolutamente antidemocrática”, aponta o relatório da PF.

Os metadados de uma conexão de rede sem fio realizada pelo tenente-coronel Rafael de Oliveira também foi determinante para que os investigadores confirmassem que o militar estava próximo a um estacionamento do Parque da Cidade no final de novembro.

“Esse local foi o mesmo citado nos diálogos do grupo ‘copa 2022’, durante a ação executada no dia 15/12/2022. Eles permaneceram a madrugada do dia 23 até a manhã deste mesmo dia”, afirmam os delegados.

Trocas de mensagens apagadas pelo tenente-coronel Mauro Cid, que chefiou a ajudância-de-ordens no governo Bolsonaro, foram recuperadas pelos investigadores e contribuíram para o avanço das apurações.

Os delegados explicam que as mensagens apagadas aparecem no aplicativo pericial com o rótulo “Scrambled” – embaralhada, em tradução livre. As palavras estão fora de ordem porque foram deletadas, mas permaneceram no banco de dados de indexação do WhatsApp.

“O aplicativo indexa todas as palavras das conversas para facilitar a pesquisa rápida por palavras por parte do usuário. Desta forma, as mensagens apagadas do aplicativo, mas que ainda estão no banco de indexação, são apresentadas de forma randomizada, sem maiúsculas, acentuação e caracteres especiais, nessa nova versão do software pericial”, contam os delegados.

A mensagem enviada pelo coronel Marcelo Câmara a Mauro Cid no dia 7 de dezembro de 2022 e que posteriormente foi deletada, por exemplo, dizia: “brasilia ele amanha provavelmente da tarde sao final ficar em pra hoje vai paulo”. Organizada pelos investigadores, a mensagem ficou: “Ele vai ficar em Brasília hoje. Amanhã provavelmente pra São Paulo final da tarde”. Tratava-se da agenda do ministro Alexandre de Moraes.

Mensagens como essa que foram apagadas e depois recuperadas de maneira desorganizada pelos investigadores passaram por uma checagem com outras fontes de informação.

Em uma mensagem enviada a Cid no dia 16 de dezembro de 2022, Câmara afirmou que a pessoa monitorada “viajou pra SP hoje. retoma na manhã de segunda-feira e viaja novamente pra SP mesmo dia. Por enquanto só retorna a Brasília pra posse do ladrão. Qualquer mudança que saiba lhe informo”.

O relatório da PF aponta que os dados da agenda oficial de Moraes confirmaram que ele viajou de Brasília para o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 16 de dezembro. O ministro voltou para Brasília exatamente no dia 19 de dezembro.

“Ratificando que os investigados tinham o pleno conhecimento do itinerário, o Ministro retornou para a cidade de São Paulo no mesmo dia 19/12/2022, às 17h10min”, diz a PF.

Em outra conversa, de 24 de dezembro, Cid pergunta a Câmara “onde a professora está”. O coronel responde: “deixa eu verificar. Está em SP – volta dia 31 a noite para a posse”. Cid questiona: “na capital ou no interior?” Câmara responde que “na residência em SP – eu não sei onde fica”.

Os delegados responsáveis pelo caso afirmam que “a comparação entre os voos realizados pelo ministro no período de 14/12/2022 até 31/12/2022, com os dados de acompanhamento realizados pelos investigados, confirmou que o ministro Alexandre de Moraes foi monitorado pelos investigados”.

As planilhas de controle de acesso ao Palácio da Alvorada, residência do presidente, também serviram para confirmar informações obtidas em mensagens trocadas pelos investigados.

O general Mário Fernandes enviou um áudio a Cid na noite de 8 de dezembro dizendo que esteve com Bolsonaro naquele dia e que o então presidente afirmou que “qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro”.

“Os dados do controle de acesso encaminhados à Polícia Federal confirmam que Mario Fernandes esteve no palácio da Alvorada no dia 08/12/2022, chegando às 17hs e saindo às 17h40min”, mostra o relatório.

Além de analisar agendas de compromissos de autoridades e planilhas de acesso aos palácios para conferir informações obtidas por meio da apreensão de equipamentos, os investigadores também contaram com documentos enviados por operadores de telefonia e empresas de locação de veículos para confirmar suspeitas envolvendo os investigados.

A investigação também identificou que o documento contendo o planejamento para o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes foi impresso pelo general Mário Fernandes no dia 9 de novembro no Palácio do Planalto, sede do governo federal, e posteriormente levado até o Alvorada.

A PF pediu à Presidência da República os dados do servidor de registro de logs de impressão e respectivos spooling (fila) de impressão das impressoras utilizadas no Planalto e no Palácio em 2022.

O arquivo “Fox_2017.docx”, que continha o planejamento operacional, conforme os metadados, foi criado no dia 9 de novembro às 09h23 e modificado às 17h05.

Os registros revelaram que o usuário “mariof”, pertencente ao general, imprimiu quatro minutos depois da última modificação um arquivo de texto denominado “Microsoft Word – Plj.docx”, que continha três páginas. O documento foi impresso na impressora localizada no gabinete da Secretaria-geral.

“A sigla ‘Plj’, contida no nome do arquivo impresso, é uma referência à palavra ‘planejamento’, que é exatamente a primeira palavra que aparece no título do documento ‘Fox_2017.docx’”, mostra o relatório.

A planilha de controle de acesso ao palácio onde Bolsonaro morava mostra que o general registrou entrada no Alvorada às 17h48min do dia 9 de novembro. “Ou seja, 40minutos depois da impressão do ‘Plj.docx’”, concluem os delegados.

[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/