As nuvens carregadas no céu da tarde do último domingo (19) indicavam que o tempo seria de chuva no Largo da Mariquita, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Mas bastou o convite para uma dança, feita pelo músico Ubiratan Marques, integrante da banda Baiana System e fundador da Orquestra Afrosinfônica, para que a própria condição atmosférica adiasse e favorecesse o início do segundo e último dia de invasão do jazz na terra do axé.
Com repertório inédito, o artista iniciou a apresentação no Festival Salvador Jazz com ‘Dança do Tempo’, música do seu álbum de mesmo nome. Aos poucos, os acordes do piano de Ubiratan junto ao som dos instrumentais da banda atraíram o público que, ainda tímido, buscava o local mais próximo do palco para curtir com atenção minuciosa a cada minuto do show.
Uma das pessoas presentes na plateia foi a programadora e desenvolvedora de software Geisa Silva, de 44 anos, que não escondeu o efeito das músicas tocadas sobre si. “Eu já conhecia ele, mas não tinha tido a oportunidade de assistir a apresentação do novo álbum. Fiquei em transe. É uma contemplação, porque é um músico da gente que conhece o jazz há muito tempo e ver ele no palco é muito bom. Ainda por cima, o trabalho novo está belíssimo”, disse.
Bebendo da fonte das experiências vividas na Bahia, ‘Dança do Tempo’ nasceu inspirada na ancestralidade, confotme conta Ubiratan Marques. “O álbum está ligado a toda a minha história, desde meu nascimento. Está ligado a minha bisavó Carolina, que está no álbum e me ensinou a cantar e era uma mulher do candomblé, assim como minha avó Gueomar de Ogum. Também está ligado a toda a Bahia e é muito importante essa ligação com esse lugar que eu piso. É o amor por essa terra e por essa música ancestral afroindígena-brasileira que está impregnado nessa obra”, frisou.
No que dependesse da recepção do público, era possível concluir que o amor impregnado no álbum de Ubiratan irradiou a ponto de fazer com que as pessoas pedissem por mais. No entanto, na hora marcada, o músico deixou o palco e não demorou para que a banda Sonora Amaralina já estivesse a postos, levando para o Rio Vermelho a prometida chuva e o ritmo da cumbia, estilo musical típico da Colômbia.
Apesar da forte influência estrangeira, o grupo musical teve origem em 2018, em Salvador, especificamente em Amaralina. Desde então, tem fortalecido os laços latino-americanos e inserido a parcela da contribuição baiana nessa missão. “É uma identificação quase que instantânea entre os soteropolitanos, porque a cumbia induz ao movimento e à dança, tem tudo a ver com Salvador pela musicalidade que está presente na nossa cidade. Então, só vamos complementar e trazer um pouco desse astral”, pontuou Gleison Coelho, saxofonista tenor da banda.
No lugar da tradicional gaita, comum a cumbia tocada na Colômbia, a Sonora Amaralina trouxe o clarinete tocado por Daniele Natali junto aos instrumentais do trombone, baixo e guira, trompete, congas, saxofone e piano. A mescla funcionou tanto que, mesmo debaixo de muita chuva, o público não abriu mão de dançar. Esse foi o caso da psicóloga Gabriela Lima, 29 anos, que levou uma capa para não se molhar, mas não conseguiu proteger o rosto. Mesmo assim, não deixou seu lugar na grade que limitava o front stage da plateia.
“A gente vai ouvindo o ritmo e, quando vê, o corpo já está acompanhando. É legal poder sentir a música e eu achei legal que chamaram a Sonora para o Festival Salvador Jazz, porque tem muito instrumento de metal e de sopro, e no final eles terminaram com Timbalada. Foi ótimo”, avaliou.
Amante de jazz desde a infância, o músico Pedro Cunha, 23 anos, foi ao festival acompanhado pela namorada e pelo irmão, e também aprovou a experiência vivenciada durante o show. “Meu pai é professor de música, então eu sempre curti música. Mais recentemente, eu tenho voltado para esse mundo e o jazz tem sido o gênero que eu mais escuto. Ao chegar aqui na praça, só consegui pensar: ‘nossa, que sorte de ter músicos e música tão bem preparados, cuidadosas e de tanta qualidade sendo oferecidas gratuitamente”, declarou.
Após a apresentação da Sonora Amaralina, foi a vez do grupo musical Spok Quinteto marcar presença com o frevo pernambucano. ‘Mas o que o frevo tem a ver com o jazz?’, foi possível ouvir de um dos espectadores. A resposta foi dada através da música surgida do encontro da sanfona com a guitarra e com o saxofone, que juntos passearam pelo coco e baião, mas também pelo gosto do público.
“Eu gosto muito dessas festas alternativas. É sempre maravilhoso, porque é sempre bom conhecer música nova e instrumento novo. Que continuem fazendo esse festival, porque eu vou continuar marcando presença com minha esposa”, afirmou o administrador Sérgio Maró, de 67 anos.
O festival ainda contou com a apresentação da participação internacional da cantora cabo-verdiana Mayra Andrade, que combinou o crioulo cabo-verdiano, referências brasileiras e a sofisticação do jazz parisiense. Por fim, o encerramento teve o brilhantismo do percussionista Marcos Suzano, reconhecido internacionalmente por seu estilo inovador de tocar pandeiro e colaborações memoráveis na música brasileira.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo
[*] – Fonte: https://www.correio24horas.com.br/