Estudo descobre que céu estrelado pintado por Van Gogh obedece lei da física

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Alguns dizem que a luz das estrelas e as nuvens rodopiantes da pintura “A Noite Estrelada”, de Vincent van Gogh, refletissem o estado de espírito tumultuado do artista quando ele pintou a obra em 1889.

Agora, uma nova análise feita por físicos da China e da França sugere que o artista poderia ter uma compreensão profunda e intuitiva da estrutura matemática do fluxo turbulento — termo da física que descreve o movimento caótico de fluidos.

Um fenômeno natural comum observado em fluidos — água em movimento, correntes oceânicas, fluxo sanguíneo, nuvens de tempestade ondulantes e colunas de fumaça — o fluxo turbulento é caótico e imprevisível, pois redemoinhos maiores se formam e se quebram em outros menores.

Pode parecer aleatório para um observador casual, mas a turbulência segue um padrão em cascata que pode ser estudado e, pelo menos parcialmente, explicado usando equações matemáticas.

“Imagine que você está em uma ponte e observa o rio fluir. Você verá redemoinhos na superfície, e esses redemoinhos não são aleatórios. Eles se organizam em padrões específicos, e esses tipos de padrões podem ser previstos por leis físicas”, disse Yongxiang Huang, autor principal do estudo publicado na terça-feira (16) no periódico científico Physics of Fluids. Huang é pesquisador na Xiamen University, no sudeste da China.

“A Noite Estrelada” é uma pintura a óleo sobre tela que, conforme observou o estudo, retrata a vista do céu pouco antes do nascer do Sol de uma janela voltada para o leste do quarto do artista em Saint-Rémy-de-Provence, no sul da França, onde Van Gogh havia se internado após mutilar sua orelha esquerda.

Usando uma imagem digital da pintura, Huang e seus colegas examinaram a escala de suas 14 principais formas giratórias para entender se elas se alinhavam com as teorias físicas que descrevem a transferência de energia de redemoinhos de grande para pequena escala à medida que colidem e interagem entre si.

O movimento atmosférico do céu pintado não pode ser medido diretamente, então Huang e seus colegas mediram precisamente as pinceladas e compararam o tamanho das pinceladas com as escalas matemáticas esperadas conforme as teorias de turbulência. Para avaliar o movimento físico, eles usaram o brilho relativo ou a luminância das cores de tinta variáveis.

Eles descobriram que os tamanhos dos 14 redemoinhos ou vórtices em “A Noite Estrelada” e suas distâncias e intensidades relativas seguem uma lei física que governa a dinâmica dos fluidos conhecida como teoria da turbulência de Kolmogorov.

Na década de 1940, o matemático soviético Andrey Kolmogorov descreveu uma relação matemática entre as flutuações na velocidade de um fluxo e a taxa na qual sua energia se dissipa.

Huang e a equipe também descobriram que a tinta, na menor escala, se mistura com alguns redemoinhos e giros de fundo de uma forma prevista pela teoria da turbulência, seguindo um padrão estatístico conhecido como escala de Batchelor.

A escala de Batchelor representa matematicamente como pequenas partículas, como algas à deriva no oceano ou pedaços de poeira no vento, são misturadas passivamente pelo fluxo turbulento.

“Isso é legal. De fato, esse é o tipo de estatística que você esperaria de florações de algas sendo varridas por correntes oceânicas, ou poeira e partículas no ar”, disse James Beattie, pesquisador de pós-doutorado no departamento de ciências astrofísicas da Universidade de Princeton em Nova Jersey, em um e-mail. Beattie não estava envolvido neste estudo, mas conduziu uma pesquisa semelhante sobre a obra de arte.

“No meu artigo, eu só olhei realmente para os grandes [redemoinhos da pintura], então não vi essa segunda relação”, disse ele, referindo-se à escala de Batchelor.

Claro, disse Huang, Van Gogh não teria conhecimento teórico de tais equações, mas provavelmente ele passou muito tempo observando a turbulência na natureza.

“Acho que esse relacionamento físico deve estar enraizado em sua mente, por isso, quando ele fez essa famosa pintura ‘A Noite Estrelada’, ela acaba imitando o fluxo real”, disse Huang.

Beattie concordou: “É uma coincidência incrível que a bela pintura de Van Gogh compartilhe muitas das mesmas estatísticas da turbulência”, disse ele.

“Isso faz algum sentido — os modelos foram construídos para tentar capturar as estatísticas de redemoinhos em múltiplas escalas, cada redemoinho se comunicando com outros redemoinhos através da cascata turbulenta. Em certo sentido, Van Gogh pintou algo que representa esse fenômeno, então por que não deveria haver alguma convergência entre os modelos teóricos e as estatísticas dos redemoinhos de Van Gogh?”, acrescentou.

A equipe do estudo realizou a mesma análise e detectou o mesmo fenômeno em duas outras imagens, uma delas uma pintura, “Chain Pier, Brighton”, criada pelo artista britânico John Constable em 1827, e a uma fotografia da Grande Mancha Vermelha de Júpiter, tirada pela sonda espacial Voyager 1 da NASA em 5 de março de 1979.

“Ao contrário de ‘A Noite Estrelada’, esta pintura [“Chain Pier, Brighton”] não possui padrões de redemoinhos bem definidos, mas as nuvens são ricas em estruturas com escalas diferentes, lembrando aquelas frequentemente vistas no céu”, observou o estudo sobre a obra de Constable.

Em exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York, “A Noite Estrelada” é uma obra de arte extremamente popular que já foi recriada em peças de Lego, drones e dominós.

Huang disse que os cientistas há muito lutam para descrever o fluxo turbulento na dinâmica de fluidos de uma forma que lhes permita prever o fenômeno e que uma explicação completa continua sendo um mistério predominante da física. Um entendimento completo ajudaria na previsão do tempo, turbulências de voo e muitos outros processos, disse ele.

“Mesmo depois de mais de 100 anos de estudo, não sabemos nem como definir esse fenômeno complexo”, disse Huang. “É extremamente importante, mas é extremamente difícil.”

O fato de “A Noite Estrelada” corresponder a modelos estatísticos de turbulência, embora a obra de arte não se mova, pode sugerir que os métodos e ferramentas estatísticas são menos precisos do que os cientistas podem ter pensado, disse Beattie.

A pintura não pode ser medida com precisão porque “na verdade, não é turbulência… Não tem energia cinética”, disse ele.

No entanto, Beattie disse que era um grande fã da obra de arte e que ela refletia a universalidade e a beleza da turbulência.

“Eu adoro profundamente o fato de poder usar meu entendimento da turbulência no plasma entre galáxias e aplicá-lo à turbulência entre estrelas, entre a Terra e o Sol ou em nossos próprios lagos, oceanos e atmosfera”, disse ele.

“O que eu retiro de estudos como esse é que [van Gogh] capturou um pouco dessa universalidade no belo quadro”, Beattie acrescentou. “E eu acho que as pessoas sabem disso. Elas sabem que algo maravilhoso foi incorporado nessa pintura e somos atraídos por isso.”

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[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/