Um projeto brasileiro que utiliza inteligência artificial (IA) para detecção de arritmia ganhou o Gartner Eye on Innovation 2024, um prêmio global de inovação, em outubro. O projeto, do Hospital Nove de Julho, em parceria com a Johnson & Johnson MedTech e a startup Neomed, levou a um aumento de 82,3% em pacientes tratados para fibrilação atrial na instituição.
A fibrilação atrial é o tipo mais comum de arritmia cardíaca, afetando 2,5% da população, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). O projeto de inovação aberta com uso de IA começou em 2023, visando identificar precocemente e tratar pacientes com a condição, em uma linha de cuidado digitalizada.
“A fibrilação atrial é a arritmia mais comum da prática clínica, e o crescimento do diagnóstico da doença acompanha o envelhecimento da população. Além do impacto negativo na qualidade de vida e no risco de comprometimento da função cardíaca, traz consigo um aumento do risco de acidente vascular cerebral (AVC)”, explica Raphael Oliveira, diretor-geral do Hospital Nove de Julho, à CNN.
“O diagnóstico precoce implica na oportunidade de tratamento adequado e redução do risco cardiovascular”, acrescenta.
Após um ano de projeto, o uso da IA aumentou 82,3% os pacientes tratados para fibrilação atrial na instituição, elevou em 30% na pontuação de qualidade de vida dos pacientes acompanhados e reduziu 43 pontos percentuais na busca por pronto-socorro em pacientes acompanhados em um período de 30 dias.
Tradicionalmente, o diagnóstico da fibrilação atrial é feito através do eletrocardiograma. No entanto, de acordo com Oliveira, pode ser difícil diferenciar a condição de outras arritmias.
“A IA garante rapidez no diagnóstico e precisão”, explica o diretor-geral. “Em plataformas como a KARDIA, da Neomed, que utilizamos em nosso centro de arritmia cardíaca, conseguimos o apoio clínico no diagnóstico, não apenas com sinais de alerta para esses casos, mas com diagnóstico rápido, não permitindo que um caso passe despercebido. Trata-se de um claro aumento da sensibilidade diagnóstica”, acrescenta.
Além disso, o especialista acrescenta que a IA também é utilizada em smartwatches e outros dispositivos de uso contínuo. “Nesses casos, a IA ajuda no diagnóstico das fibrilações paroxísticas, silenciosas, muitas vezes não percebidas pelo paciente ou fugazes o suficiente para não permitir documentação em eletrocardiograma (ECG)”, afirma.
De acordo com Fabrício Campolina, presidente da Johnson&Johnson MedTech Brasil, o diferencial do uso de IA para o diagnóstico de fibrilação atrial está na velocidade e na precisão da análise de exames.
“A IA processa os dados do ECG muito mais rapidamente do que a análise manual, permitindo a identificação precoce de casos que poderiam passar despercebidos ou ter o diagnóstico retardado”, explica. “Depois dessa primeira sinalização de que poderia haver uma fibrilação atrial, a equipe médica analisa com cuidado os exames e o paciente. Essa agilidade é crucial para sinalizar a equipe de cuidado e iniciar o tratamento quanto antes, minimizando os riscos de complicações, como AVC e insuficiência cardíaca”, completa.
Campolina acrescenta que, em um cenário onde a fibrilação atrial, muitas vezes, é assintomática, essa detecção precoce, viabilizada pela IA, pode ser a diferença entre um desfecho positivo e complicações graves para o paciente.
Na prática, os pacientes que realizam um exame de eletrocardiograma têm seus resultados inseridos na plataforma da Neomed. A partir disso, a solução digital KARDIA, um sistema de IA, realiza o rastreio sistemático da fibrilação atrial e outras arritmias, confirmada pela equipe médica. Isso viabiliza um tempo médio de elaboração dos laudos em menos de três minutos.
Caso a arritmia seja identificada, a equipe de trabalho integrado é acionada, e com o acompanhamento contínuo de uma enfermeira navegadora, o paciente é convidado a entrar na linha de cuidado que possui protocolos clínicos específicos para acelerar sua jornada e indicar o melhor caminho de tratamento (que pode ser medicamentoso ou ablação por cateter).
A linha de cuidado é uma abordagem integrada e coordenada que visa colocar o paciente no centro, oferecendo cuidado contínuo e personalizado.
“No caso da linha de cuidado para fibrilação atrial, por exemplo, assim que o paciente com arritmia é identificado via leitura de ECG, ele é inserido em um fluxo de acompanhamento que garante que receba as informações necessárias, realize os exames complementares e seja encaminhado para o especialista adequado”, explica Campolina.
Após o tratamento, o paciente segue sendo acompanhado para avaliação do sucesso do procedimento, além de rastrear possíveis complicações tardias e avaliar a qualidade de vida. “Com isso, já conseguimos uma redução de 43 pontos percentuais na busca por pronto-socorro em um período de 30 dias”, afirma Oliveira.
O uso de IA está se tornando cada vez mais comum no campo da medicina. Ela pode ser usada para realizar diagnósticos precoces, antecipar riscos de doenças e pioras em quadro de saúde, além de tornar exames mais precisos.
Segundo a Healthcare Information and Management Systems Society (HIMSS), o mercado de tecnologia em saúde no mundo deve crescer 15% até 2025.
“Esse aumento reflete a busca por ferramentas que não só otimizam o atendimento, mas também mudam a maneira como cuidamos das pessoas, como sistemas que permitem a coleta e análise de dados em tempo real, tecnologias que facilitam o monitoramento remoto de pacientes e soluções que agilizam a comunicação entre equipes médicas e pacientes, essenciais para garantir um atendimento mais ágil e seguro”, comenta Claudia Cohn, diretora de Negócios Nacionais da Dasa e diretora executiva do Alta Diagnósticos.
“A IA tem um papel central nessas mudanças. Ela está ajudando a transformar a assistência médica, oferecendo mais conforto e segurança. Com ela, conseguimos decodificar e analisar uma quantidade enorme de dados em tempo real, identificar padrões em diagnósticos e sugerir tratamentos mais rapidamente”, acrescenta.
No Brasil, algumas iniciativas já utilizam IA em procedimentos médicos. Além do projeto do Hospital Nove de Julho, uma tecnologia chamada OncoSeek foi introduzida ao país através de uma parceria entre SeekIn e a clínica FirstSaúde e permite a detecção e o rastreamento de mais de nove tipos de tumores no estágio inicial, por exemplo.
Além disso, o uso de algoritmos de Processamento de Linguagem Natural (PLN) que identificam achados relevantes em exames de imagem, alertando os médicos assim que um achado importante é detectado, segundo Cohn. “Ferramentas de deep learning também estão reduzindo o tempo dos exames de ressonância magnética, melhorando a experiência do paciente e otimizando uso de equipamentos”, afirma.
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[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/