A incidência da leucemia mielóide crônica (LMC) é de um a dois casos por 100 mil pessoas por ano, correspondendo a 15% das leucemias em adultos.
A faixa etária preferencial situa-se entre 45 a 55 anos, porém pode ocorrer, mais raramente, em idosos, crianças e adolescentes.
Classicamente, a LMC manifestava-se em três fases consecutivas:
A LMC é uma doença que envolve uma alteração cromossômica específica, com influências ambientais, como exposição à radiação e a agentes químicos.
O evento genético responsável pela LMC consiste em uma translocação recíproca t(9;22) (q34;q1.1) nas células-tronco hematopoiéticas. Cerca de 95% dos casos de LMC têm a translocação entre os cromossomos 9 e 22, o que resulta no cromossomo Philadelphia (Ph).
A detecção citogenética dessa translocação identifica a LMC típica. A detecção desta anormalidade nos anos 1960, na Universidade da Pensilvânia, foi a primeira evidência de que o câncer poderia advir de alterações genéticas adquiridas.
Estudos posteriores nesse sentido demonstraram que a translocação cromossômica produz um gene quimérico, formado pela fusão de dois genes: o gene breakpoint cluster region (BCR) — localizado no cromossomo 22 — e o gene abelson oncogene (ABL) — localizado no cromossomo 9 –. produzindo um transcrito ativo BCR-ABL no cromossomo rearranjado Philadelphia (Ph).
Na LMC, os transcritos BCR-ABL podem ter tamanhos diferentes, pois as quebras cromossômicas ocorrem em diferentes locais do gene BCR, resultando em duas isoformas de ácido ribonucléico (RNA) mensageiro (b3a2 e b2a2), as quais são, geralmente, traduzidas em uma proteína de, aproximadamente, 210 kDa com função de tirosina cinase.
Alguns pacientes com LMC podem ter um ponto de quebra alternativo no cromossoma 22, resultando em proteína de 190 kDa.
Aproximadamente 50% dos pacientes são totalmente assintomáticos, e o diagnóstico é feito com um hemograma, realizado por uma situação clínica qualquer, um pré-operatório ou mesmo em um check-up.
Sintomas sistêmicos podem ocorrer, como fadiga, cansaço, sudorese ou emagrecimento. Devido ao aumento do baço, pode haver distensão ou um aumento do volume abdominal, dor ou sensação de saciedade. É comum haver aumento do ácido úrico ou sinais de artrite gotosa.
A esplenomegalia ocorre em 50% a 80% dos casos; anemia, em cerca de 50%; e grandes leucocitoses (> 100.000/mm3), em 50% a 70% dos pacientes. Um achado possível é plaquetose (> 600.000/mm3). Cabe sempre a realização de uma investigação para LMC em pacientes suspeitos de trombocitemia essencial.
A contagem diferencial de leucócitos mostra escalonamento com desvio à esquerda, desde neutrófilos maduros até mieloblastos. Basofilia e eosinofilia são achados comuns. A fosfatase alcalina leucocitária é geralmente baixa.
O estudo da medula óssea (MO) pelo mielograma ou da biópsia mostra hiperplasia granulocítica. Outros achados inespecíficos da biópsia são fibrose reticulínica e vascularização.
O diagnóstico final é feito pela pesquisa do cromossomo Ph, com a análise do cariótipo, preferencialmente em amostra de MO, por meio de coloração por banda G. Em uma situação de premência do resultado, pode-se fazer a pesquisa do rearranjo BCR/ABL por Fish, técnica rápida e específica, na qual se utilizam sondas moleculares para identificar anomalias cromossômicas.
A técnica de PCR é a mais frequentemente empregada para detecção de rearranjos BCR-ABL.
A Análise prognóstica pode ser feita por meio de vários índices, dos quais o score prognóstico de Sokal é o mais comum, levando em conta quatro variáveis:
Historicamente, até 1950, o principal recurso terapêutico para tratamento da LMC era a radioterapia. Em 1953, Galton introduziu com sucesso o busulfan oral e, em 1972, a hidroxiuréia passou a ser a principal droga utilizada no manuseio da LMC, produzindo controle hematológico com poucos efeitos colaterais.
No entanto, essas medidas terapêuticas, apesar de produzirem controle clínico e hematológico dos pacientes, não alteram a história natural da doença representada pela evolução para as fases acelerada e blástica, com consequente óbito.
O transplante de medula óssea (TMO) era o único tratamento curável. Hoje, praticamente limitado a poucos casos específicos
Desde a aprovação em 2000 do primeiro inibidor de tirosino-cinase, o imatinibe, esta droga passou a ser o tratamento de escolha de primeira linha na LMC
Estes medicamentos representam um dos maiores avanços terapêuticos no manejo da LMC. E foram a base para outras terapêuticas chamadas alvo em outros tumores.
A experiência adquirida com este produto, que age na esfera molecular, mostrou como o conhecimento da biologia e da fisiopatologia de uma doença pode ser útil no desenvolvimento de uma ação terapêutica.
Hoje, outros medicamentos podem ser utilizados no tratamento da LMC, seja em primeira linha ou em pacientes resistentes ou com mutações. Podemos citar o Dasatinibe, Nilotinibe, Bosutinibe e recentemente o Ponatinibe e o Ascimetinibe.
Podemos afirmar que pacientes responsivos a estes medicamentos podem ter expectativa de vida normal e estudos estão mostrando que pessoas com respostas estritas por mais de quatro anos e sob vigilância podem ter a medicação suspensa.
Para mim, que participei dos estudos multicêntricos com os chamados medicamentos de primeira e segunda geração, é um privilégio ver uma mudança tão importante da medicina
*Texto escrito por Nelson Hamerschlak, hematologista coordenador do programa de hematologia e transplantes de medula óssea do Hospital Israelita Albert Einstein — CRM 34315 SP – RQE 191
[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/