A origem do antigo caso de amor dos humanos modernos com os carboidratos pode anteceder nossa existência como espécie, de acordo com um novo estudo.
Um estereótipo antigo, que sugeria que os humanos primitivos se alimentavam de bifes de mamute e outros pedaços de carne, ajudou a criar a ideia de uma dieta rica em proteínas, necessária para alimentar o desenvolvimento de um cérebro grande.
No entanto, evidências arqueológicas nos últimos anos têm desafiado essa visão, sugerindo que os humanos há muito tempo desenvolveram o gosto por carboidratos, assando alimentos como tubérculos e outros alimentos ricos em amido, detectados por meio da análise de bactérias presentes nos dentes.
A nova pesquisa, publicada na revista Science na quinta-feira (17), oferece a primeira evidência hereditária de dietas ricas em carboidratos nos primeiros humanos. Cientistas rastrearam a evolução de um gene que permite aos humanos digerir o amido com mais facilidade, quebrando-o em açúcares simples que nossos corpos podem usar como energia. O estudo revelou que esses genes se duplicaram muito antes do advento da agricultura.
Essa expansão pode ter ocorrido há centenas de milhares de anos, muito antes do surgimento da nossa espécie, Homo sapiens, ou mesmo dos neandertais como linhagens humanas distintas. Pesquisadores do Jackson Laboratory em Farmington, Connecticut, e da Universidade de Buffalo, no estado de Nova York, analisaram os genomas de 68 humanos antigos.
A equipe de estudo focou em um gene chamado AMY1, que permite aos humanos identificar e começar a decompor o amido de carboidratos complexos na boca, produzindo a enzima amilase. Sem a amilase, os humanos não seriam capazes de digerir alimentos como batatas, massas, arroz ou pão.
Os humanos de hoje têm várias cópias desse gene, e o número varia de pessoa para pessoa. No entanto, tem sido complicado para os geneticistas entenderem como e quando o número desses genes se expandiu — um reflexo de quando o consumo de amido provavelmente se tornou vantajoso para a saúde humana.
“A principal questão que estávamos tentando responder era: quando essa duplicação ocorreu? Por isso começamos a estudar genomas antigos”, diz Feyza Yilmaz, autora principal do estudo e cientista computacional associada no Jackson Laboratory. “Estudos anteriores mostram que há uma correlação entre o número de cópias do AMY1 e a quantidade de enzima amilase liberada na nossa saliva. Queríamos entender se isso ocorreu em correspondência ao advento da agricultura. Esta é… uma questão importante”, explica.
A equipe descobriu que, há cerca de 45.000 anos, caçadores-coletores — cujo modo de vida precedia a agricultura — tinham em média de quatro a oito cópias do AMY1, sugerindo que o Homo sapiens já tinha preferência por amido muito antes da domesticação das plantas moldar a dieta humana.
A pesquisa também revelou que a duplicação do gene AMY1 existia nos genomas de neandertais e denisovanos, um hominídeo extinto descoberto em 2010, sobre o qual se sabe relativamente pouco. A presença de várias cópias do gene em três espécies humanas sugere que essa era uma característica compartilhada por um ancestral comum, antes da separação das diferentes linhagens, de acordo com o estudo.
Essa descoberta significa que os humanos arcaicos tinham mais de uma cópia do AMY1 há cerca de 800.000 anos. Ainda não está claro exatamente quando ocorreu a duplicação inicial do AMY1, mas provavelmente foi algo aleatório. A presença de mais de uma cópia criou uma oportunidade genética que deu aos humanos uma vantagem para se adaptar a novas dietas, especialmente as ricas em amido, à medida que encontravam diferentes ambientes.
A análise também mostrou que o número de cópias do AMY1 que uma pessoa carrega aumentou acentuadamente nos últimos 4.000 anos — provavelmente favorecido pela seleção natural, à medida que os humanos se adaptavam às dietas ricas em amido resultantes da mudança do estilo de vida de caçadores-coletores para a agricultura e o cultivo de grãos.
O estudo “forneceu evidências convincentes” de como a maquinaria molecular para converter amidos de difícil digestão em açúcares facilmente acessíveis evoluiu nos humanos, segundo Taylor Hermes, professor assistente no departamento de antropologia da Universidade do Arkansas, que não esteve envolvido na pesquisa.
Além disso, a nova pesquisa reforça a teoria emergente de que foram os carboidratos, e não as proteínas, que forneceram o aumento de energia necessário para o crescimento do tamanho do cérebro humano ao longo do tempo, observou ele.
“O fato de os autores encontrarem um número aumentado de cópias do gene da amilase, o que resulta em uma maior capacidade de quebrar o amido, pode ter surgido centenas de milhares de anos antes dos neandertais ou denisovanos, o que dá mais crédito à ideia de que os amidos estavam sendo metabolizados em açúcares simples para alimentar o rápido desenvolvimento cerebral durante a evolução humana”, afirma Hermes.
“Embora eu ache que mais testes com genomas humanos antigos de maior qualidade sejam necessários, fiquei surpreso que os autores conseguiram detectar várias cópias dos genes da amilase nos genomas de neandertais e denisovanos já publicados”, acrescenta Hermes. “Isso mostra o valor de continuar a explorar os genomas de nossos ancestrais humanos em busca de registros médicos e fisiológicos importantes.”
É um desafio entender como genes individuais variaram ao longo do tempo nas populações, e o estudo é “extremamente impressionante”, afirma Christina Warinner, professora associada de ciências sociais e antropologia na Universidade de Harvard.
“Sabemos que mudanças alimentares desempenharam um papel central na evolução humana… Mas reconstruir esses eventos que ocorreram há milhares, centenas de milhares e até milhões de anos é assustador”, diz Warinner, que não participou da pesquisa. “A investigação genômica deste estudo está ajudando a finalmente datar alguns desses marcos importantes, e está revelando pistas tentadoras sobre o longo caso de amor da humanidade com o amido.”
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[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/