Terapia-alvo diminui câncer de pulmão e melhora qualidade de vida; entenda

Saúde

O aposentado Mario José de Souza, de 65 anos, nunca fumou e só bebia socialmente. Sempre gostou de esporte e jogava tênis com frequência. Considerava que tinha uma saúde boa, até que, no começo de 2019, começou a ter tosse persistente e sensação de “caroço” no pescoço. Em 2020, foi diagnosticado com câncer de pulmão em estágio 4, já em metástase.

“Eu nunca tinha tido nada… Quando recebi a notícia de que estava com câncer, foi realmente devastador”, relata Souza em entrevista à CNN. “Tive uma conversa bem franca com o oncologista, que me falou que já era um quadro avançado de câncer de pulmão sem cura”, conta.

Desde o diagnóstico até setembro de 2022, Souza passou por três tipos de quimioterapia e, em todas, houve uma melhora do câncer inicialmente, mas, depois, pararam de trazer resultados. Na última quimioterapia, os efeitos colaterais passaram a superar os benefícios. “Fui internado algumas vezes e tive uma conversa bem franca com meu médico. Ele não queria me falar, mas depois de muita insistência, ele falou que eu tinha, no máximo, um ano de vida”, relembra.

Apegado na religião e na espiritualidade, Souza seguiu o tratamento mesmo com o prognóstico ruim. Porém, meses depois, ele foi aprovado para receber um tratamento de uso compassivo — programa que permite a disponibilização de medicamentos novos e promissores para pacientes que não podem ser tratados com medicamentos já autorizados e disponíveis.

No caso, Souza foi habilitado para receber selpercatinibe, conhecido pelo nome comercial Retsevmo, da farmacêutica Eli Lilly. Na época, o fármaco ainda estava sendo testado em ensaios clínicos, dos quais Souza pode participar.

“Comecei a receber os medicamentos em março de 2023 e, em maio, eu já estava bem melhor. Fiz uma série de exames e a tomografia mostrou que o câncer tinha regredido. O tumor nos linfonodos já havia desaparecido e, no pulmão, estava bem menor”, conta.

Além da regressão do tumor, Souza teve melhora na sua qualidade de vida. “Hoje consigo me programar melhor, consigo viajar com a minha família”, relata.

Ele também conseguiu tirar alguns sonhos do papel. “Eu sempre sonhei em viajar para Israel e conhecer Jerusalém. Quando eu fiquei sabendo do câncer, uma das coisas que pensei foi: ‘Poxa, não vou conseguir conhecer”, conta. “Assim que comecei a tomar o medicamento e o quadro se estabilizou, eu marquei uma viagem para Israel. Então, foi fantástico”, relata.

O sucesso do tratamento se deve ao fato de ser uma terapia-alvo, ou seja, que atua diretamente nas células cancerígenas ou na mutação responsável pelo desenvolvimento do tumor.

No caso do Retsevmo, a terapia-alvo oral atua em qualquer tumor sólido metastático que tenha fusão ou mutação no gene RET (Rearranged during Transfection). Alterações nesse gene podem dar origem a células tumorais, como o câncer de pulmão.

“De forma simples, eu costumo fazer uma analogia de ‘chave-fechadura’. Por meio de um teste molecular, identificamos a alteração no gene RET e usamos um inibidor que atua apenas nessa alteração. Então, é super específico, funcionando como uma chave para essa fechadura, diferentemente da quimioterapia, que não age de forma tão específica e acaba agindo em outras células saudáveis, gerando mais sintomas sistêmicos”, explica Guilherme Harada, coordenador da Pesquisa Clínica em Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, à CNN.

O medicamento foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em janeiro deste ano. A aprovação foi feita levando em conta três estudos clínicos que demonstraram prolongamento da sobrevida livre de progressão (ou seja, o tempo em que o paciente vive sem crescimento do câncer), além de diminuição ou desaparecimento do tumor.

Trinta e três pacientes brasileiros de um total de 291 tiveram oportunidade de participar do estudo clínico LIBRETTO 531 e 8 pacientes de um total de 250 foram incluídos no estudo LIBRETTO 431, sendo o Brasil o segundo país em recrutamento.

“Com a terapia-alvo, ao inibir o desenvolvimento do tumor, você tem um tratamento muito mais eficaz e muito melhor tolerada pelos pacientes, com menos efeitos colaterais”, afirma Harada. “Além disso, pacientes com alteração no gene RET têm uma alta chance de desenvolver metástases cerebrais ao longo da doença — cerca de 40% de chance. O selpercatinibe tem uma alta eficácia no sistema nervoso central muito maior do que qualquer outra terapia, como a quimio ou a imunoterapia”, completa.

O Retsevmo é indicado para o tratamento de câncer de pulmão de não pequenas células avançado, câncer de tireoide medular e não medular avançado e qualquer tumor sólido metastático que tenha fusão ou mutação no gene RET. Esse é o primeiro e único tratamento aprovado no Brasil para esse perfil de paciente.

Para detectar essa mutação, alguns testes específicos são necessários. “Para o câncer de pulmão de não pequenas células em um subtipo especial chamado não escamoso, hoje é fundamental fazermos uma análise molecular. Nos pacientes que nunca fumaram, isso é mandatório. Mas fazemos esse teste em todos os pacientes, independente do status de tabagismo”, explica.

É a partir desse teste molecular que são identificadas as alterações causadoras do câncer — como a mutação ou fusão no gene RET — e, consequentemente, definir a melhor forma de tratamento.

[*] – Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/